A Balada de Obi-Wan Kenobi
Há muito, muuuuito tempo, em uma galáxia distante, fomos apresentados a uma figura, a princípio, controversa. Um velho com fama de feiticeiro, veterano das Guerras Clônicas, mestre jedi e, acima de tudo, um herói.
Obi-Wan Kenobi foi aluno de Qui-Gon Jinn e, posteriormente, mestre de Anakin Skywalker e de seu filho, Luke. De padawan a cavaleiro, de mestre a general, Obi-Wan é uma das figuras centrais da saga Star Wars, tanto pelo papel que desempenhou em seus mais importantes eventos, quanto por sua nobreza, coragem, compaixão e senso de dever que demonstrou quando mais necessário. Mais do que isso, pelos erros que cometeu e o tornaram tão humano, as cicatrizes que carrega e o pesado fardo da fé inabalável.
Interpretado no cinema por Alec Guinness na trilogia original (numa atuação que lhe valeu a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante, a única para um ator de Star Wars até agora) e por Ewan McGregor na trilogia do Anakin, Obi-Wan também apareceu em animações, jogos, livros e gibis, além da recém-anunciada série para o Disney+, o que atesta a importância do personagem no cânon da saga – e também o carinho dos fãs.
Cronologicamente, ele aparece pela primeira vez em Episódio I – a Ameaça Fantasma, como padawan do sábio Qui-Gon Jinn. Ambos conhecem Anakin Skywalker, uma criança muito poderosa nos caminhos da Força, e imediatamente o associam a uma antiga profecia que diz que Anakin é “o escolhido”: aquele que “trará equilíbrio à Força”. Num dos grandes momentos da saga, durante um combate com o temível sith Darth Maul, Qui-Gon é brutalmente assassinado. Obi-Wan, no entanto, conseguiu controlar sua fúria e sede de vingança pelo ódio, mantendo o foco sem se voltar para o Lado Negro, mesmo tendo visto seu mentor e amigo ser morto.
No Episódio II – o Ataque dos Clones, ele não só mantem a mesma postura diante da oferta de Darth Tyrannus – o antigo mestre de Qui-Gon Jinn! – para se unir ao Lado Negro como tem papel decisivo em uma gigantesca batalha na arena de gladiadores contra as forças separatistas. Cabe aqui uma observação: o Conde Dookan, Darth Tyrannus, foi o único capaz de derrotar Obi-Wan com um sabre de luz.
Obi-Wan também foi o único a perceber que Anakin não estava pronto para proteger Padmé Amidala – Yoda e Mace Windu insistiram para que o jovem padawan ficasse ao lado dela, mas Obi-Wan já tinha vislumbres das trevas na alma que lançavam o jovem Skywalker cada vez mais próximo do Lado Negro.
Foi nessa fase que Obi-Wan, discípulo de um rebelde Qui-Gon Jinn e, ele mesmo, questionador, alcança a posição de General mas passa a ser conhecido como “o Negociador”. Obi-Wan preferia o diálogo e o entendimento ao sabre de luz, chegando ao cúmulo de convidar um líder inimigo para tomar chá em The Clone Wars. Ele entendia perfeitamente que o caminho do Jedi não é marcial e que guerras não tornam ninguém grande. Ao contrário, nelas homens se perdiam nas trevas da própria alma, rumo ao caos. Rumo ao Lado Negro.
Finalmente chegamos ao divisor de águas da Sétima Arte, o filme mais importante da história do Cinema e o momento pivotal da saga Star Wars. O Episódio III – a Vingança dos Sith é repleto de cenas memoráveis, à altura do que a ocasião pede. E Obi-Wan é protagonista de boa parte delas.
Seja durante a luta contra o General Grievous, responsável pela morte de vários jedi, seja pelo fato de ser perseguido pelo maior batalhão de clones, o 212º (Yoda, pra se ter uma ideia, sofre um atentado executado por apenas dois clone troopers) durante a execução da infame Ordem 66, temos vários exemplos de controle, confiança, maestria e destreza. O grande momento, pelo qual os fãs esperaram vinte anos, a transformação de Anakin Skywalker em Darth Vader, ocorre em um dos combates mais emblemáticos da saga. Ao som de Duel of the Fates, Obi-Wan não só é forçado a confrontar seu discípulo, amigo e irmão, como também está enfrentando um dos jedi mais poderosos e habilidosos que já existiu. Mas Obi-Wan possui uma qualidade que Anakin não tem.
A humildade.
“Eu estou num nível mais alto”, numa tradução livre de “I have the high ground”, é tanto a óbvia constatação de que o terreno dava uma vantagem estratégica a Obi-Wan, como também a antítese da arrogância de Anakin. “Você caiu”, “você não enxerga a verdade”, “o Lado Negro não te faz tão poderoso quanto pensa” poderiam, facilmente, ser colocadas no lugar.
Ou “você não é mestre”, talvez a mais dura verdade para seu antigo aprendiz.
O que acontece então fica por conta do Universo Expandido de Star Wars: livros, gibis, jogos e séries animadas. A série animada Star Wars Rebels mostra a revanche contra Darh Maul, enquanto ele se adapta à vida de eremita em Tatooine. O mais notável conto desse período é o romance com clima de western Star Wars: Kenobi, escrito por John Jackson Miller.
Não surpreende que, no Episódo IV – Uma Nova Esperança, Obi-Wan seja o primeiro jedi a alcançar a imortalidade no momento de sua morte, conforme os mandamentos deixados ao final do Episódio III por Yoda e por seu antigo mestre, Qui-Gon (que só alcançou tal habilidade após a morte). Obi-Wan sabia, possivelmente desde seu nascimento, que Luke era a grande, senão a única chance de derrotar Vader e o Imperador definitivamente.
No Episódio V – O Império Contra-Ataca e Episódio VI – O Retorno de Jedi, Obi-Wan se une a Yoda como mestre de Luke, transmitindo pra ele não só os ensinamentos de que ele precisa para trilhar o caminho da Força, como também ainda tentando protegê-lo de um confronto prematuro contra Vader. Nem sempre ele é claro ou honesto com Luke, tomando decisões questionáveis mas perfeitamente compreensíveis quando se olha em retrospecto tudo que ele passou. Vê-lo sorrindo como um espírito da Força ao lado de Yoda e Anakin é um alívio para Luke, que teve nele uma grande figura paterna.
No Episódio VII – O Despertar da Força, sua influência é mais sutil. Sua voz é ouvida dizendo a Rey “esses são os seus primeiros passos” assim que ela toca o antigo sabre de luz de Luke. Curiosamente, o pior e mais sombrio filme da série, o Episódio VIII – Os Últimos Jedi, é o único em que ele não aparece sob nenhuma forma – mas é citado, quando Luke diz que foi um jedi o responsável por criar e treinar Darth Vader.
O próximo capítulo na saga de Obi-Wan Kenobi ficará por conta da sua série solo, que estreia em 2021 pelo Disney+. Originalmente planejada para ser um filme, a LucasFilms preferiu dar um passo atrás por conta do fracasso de Solo e investir de maneira mais comedida no streaming. Se, por um lado, perdemos uma super-produção, por outro ganharemos um desenvolvimento maior da história, bem como dos personagens – e de seu protagonista. Considerando a recepção extremamente positiva de The Mandalorian, podemos apostar em um grande épico. O pouco que sabemos até agora é que se passará paralelamente ao filme do Han Solo – podemos esperar até mesmo que o “vilão surpresa” que aparece no final volte a dar as caras. O grande drama deverá ser o dilema de Obi-Wan, dividido entre treinar Luke e prepará-lo para o futuro ou protegê-lo a todo custo – sabendo que a maior ameaça pode ser ele mesmo.
O que é curioso quando falamos de Obi-Wan, um personagem que, apesar dos erros que cometeu (muitas vezes fazendo Anakin se sentir inadequado e escondendo informações de Luke), ele segue sendo muito querido pelos fãs. O carisma de Ewan McGregor foi um grande impulsionador da popularidade de Obi-Wan, claro. Seu carinho e respeito, não só pelo personagem mas por toda a saga, fizeram dele uma das figuras mais queridas pelos fãs, rivalizando com os lendários Mark Hammil, Carrie Fisher e Harrison Ford. Mais do que isso, ele eclipsa completamente o canastrão Hayden Christensen e até mesmo Natalie Portman, que dispensa adjetivos. Não podemos esperar menos de alguém que interpreta o mesmo personagem que Sir Alec Guinness.
Em suma, Obi-Wan virou um ronin: um samurai sem mestre, alquebrado, ferido e com profundas mágoas e cicatrizes. Viu seu mestre, com quem nem sempre concordava, mas muito amava, ser morto; foi o responsável pelo passo derradeiro do discípulo que tanto amava, mas com quem nem sempre concordava, rumo ao Lado Negro, e resistiu ele mesmo às tentações de seguir o caminho mais fácil, o caminho belicista e agressor. Com seus erros e defeitos, foi o mais virtuoso jedi até o fim, fiel à única coisa que tinha em comum com Anakin: a esperança de salvar quem amava.