A trilha sonora de Star Wars
Já reparou que, às vezes, uma música marca tanto um filme que ela passa a ser uma espécie de sinônimo do personagem? O tema do Superman, do Indiana Jones, E.T., Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Tubarão… É ouvir os temas e, imediatamente, personagens e sequências inteiras dos filmes invadem nossa memória, como se estivéssemos revivendo a experiência e nos dando a sensação de uma intimidade ainda maior com os personagens!
Isso é mais impressionante ainda se levarmos em consideração que todos os exemplos que citei foram trabalho de um homem: John Williams. Esse compositor e maestro nova-iorquino deixou uma marca muito forte na indústria cinematográfica, por seus temas cheios de emoção, lembrados por gerações de fãs ao redor do mundo. Williams foi o responsável também por dar uma identidade musical à saga Star Wars, compondo a trilha sonora dos oito filmes principais (e do vindouro episódio IX) e tendo seus temas repetidos em séries e spin-offs, ganhando o Oscar pelo primeiro, em 1977 (ano em que ele também concorreu por “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”!).
Claro, quando ele fez isso pela primeira vez em 1977 foi uma disruptura com o “padrão” que Hollywood vinha usando para trilhas sonoras nos últimos anos. A ordem era usar canções que já existiam, ao invés de material original orquestrado. Dois bons exemplos são as músicas de Paul Simon em “A Primeira Noite de Um Homem” (1967) e as de Burt Bacharach e Hal David em “Butch Cassidy” (1969). O diretor George Lucas já estava escolhendo peças clássicas para a trilha de Star Wars, como Stanley Kubrick tinha feito em “2001: Uma Odisseia no Espaço”, quando Williams o convenceu a usar música original para criar uma narrativa mais homogênea, musicalmente falando.
E, se a ideia era criar uma atmosfera ligada ao filme, Williams precisou trabalhar bastante. As trilhas (“scores”), executadas com orquestras sinfônicas e corais, fazem bastante uso de uma técnica chamada leitmotif. Inventada pelo compositor alemão Richard Wagner (1813-1883), a técnica do leitmotif consiste em um curto trecho musical que se torna recorrente, associado a algum personagem – ou mesmo um lugar ou uma ideia (pense nisso como um riff de guitarra que aparece em várias músicas do mesmo disco). Essa curta “ideia” musical, quando reaparece, ajuda a criar a abstração da realidade ideal para associarmos a cada personagem uma sensação, uma emoção característica sobre seu estado de espírito e sua jornada.
É por isso que sempre associamos rapidamente a “Marcha Imperial” com Darth Vader, por exemplo. Mais do que isso, na construção dos temas de Anakin Skywalker para a trilogia que mostra sua infância, ascensão e queda, Williams usou um acorde maior (acordes maiores são os que soam mais alegres, mais alto-astral). Assim, ela deveria ser uma melodia bem amigável – mas não é. As harmonias utilizadas são as dos temas do Lado Negro da Força, que dão um tom fúnebre para a música. No episódio IV, há duas melodias usadas, na verdade, que, quando juntas, formam a Marcha Imperial – isso só acontece no episódio V, contudo. A verdade é que nem Williams e nem George Lucas tinham certeza de que haveria uma continuação para o filme. Então o “tema de Vader” passa de “música de vilão DUMAL” no episódio IV para algo mais profundo e complexo no episódio V – acompanhando o desenvolvimento do personagem, como vimos na telona.
Já o “Tema de Anakin” é executado quando ele conversa pela primeira vez com Padmé, no episódio I. A genialidade de Williams, aqui, foi justamente usar um tema relacionado à Força para anunciar todos os personagens que tinham uma conexão com ela, de Luke a Anakin, de Qui-Gon Jinn a Rey. O tema que ele usa é uma sequência de 4 notas chamada “a quarta” – em inglês, “the fourth”. A Força. Curiosamente, o “Tema de Anakin” é o que partilha o maior número de notas com o “Tema da Força” – pois sua conexão com a Força é a mais poderosa – mas o tema é incompleto quando ele está com ódio ou confuso!
Há uma surpresa na segunda metade do “Tema de Anakin”, tocada em maior, que passa a ser tocada em acordes menores – é o “Tema de Darth Vader” envolvido com o tema de Anakin! Ele cresce nos momentos de ira de Anakin. O próprio tema de Kylo Ren é uma “imitação” do tema de Vader, repetindo sua estrutura e mostrando que, assim como seu avô, Ben Solo sente medo.
Fica muito fácil, então, mergulhar no filme apenas através de sua trilha sonora. A abertura, enquanto sobe um letreiro que dá um pouco mais de contexto à história até ali, se tornou um dos ícones mais poderosos, e facilmente reconhecíveis, da história do cinema. Claro, Williams soube como se divertir. A música tocada pela banda na cantina de Mos Eisley deveria soar, segundo Lucas, como “várias criaturas no futuro encontrando um pouco da música da banda de Benny Goodman dos anos 30, e como eles tentariam interpretá-la”. Williams, que sabe jazz e piano, misturou tudo no liquidificador até chegarmos a mais uma música que sempre nos transporta de volta à cantina mais famosa da galáxia.
“A Ascenção Skywalker” vai marcar o fim da saga e também a despedida de Williams. Mas ele planeja sair de cena em grande estilo. Seu irmão, o músico Don Williams, dois meses atrás, deu alguns detalhes sobre o que podemos esperar do último capítulo de Star Wars.
“Nós trabalhamos por quatro dias e, até agora, só arranhamos a superfície”, ele declarou. “Acho que temos em torno de 34 minutos prontos até aqui, mas eu posso garantir que cada tema que você já ouviu em Star Wars vai estar presente (…) em 135 minutos que temos que escrever”. Isso também nos dá uma ideia da duração do filme.
Se a magia de Star Wars continua encantando legiões de fãs até hoje, não há sombra de dúvida que Williams é um dos grandes responsáveis. Quando pensamos na forma como os filmes marcaram a popsfera, é inevitável citarmos que um dos maiores compositores da virada do milênio escreveu sua grande obra-prima para eles, dividida em nove partes e mudando os rumos da indústria – mais do que isso, dando a muitos de nós músicas que se tornariam parte da trilha sonora de nossas próprias vidas.
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