Brightburn – o Superman gore de James Gunn
Você já conhece a história.
Na verdade, a origem do Superman é tão icônica que já virou parte da – ouso dizer – popsfera. Ela é tão memorável que os autores Grant Morrison e Frank Quitely foram capazes de resumí-la em quatro quadros e oito palavras na abertura de All Star Superman.
Mas vamos supôr, só por um momento, e se…
O que aconteceria se…
Brightburn (David Yarovesky, 2019) não tem medo de ir fundo e distorcer um dos elementos fundamentais na origem do maior super-herói de todos os tempos. Sabemos que o Superman é essencialmente bom. Mas e se ele não fosse?
E se, mesmo tendo sido criado por pais amorosos e preocupados (que cometem alguns erros aqui e ali, é verdade), nosso “bebê” fosse de uma espécie predadora, sem empatia e com um senso de superioridade sobre os demais?
Mesmo tendo o nome de James Gunn em todo material de publicidade, ele serve apenas como produtor do filme. O roteiro é de Brian e Mark Gunn, com a direção tendo ficado a cargo do relativamente novato David Yarovesky, colaborador de longa data do Gunn mais famoso. E ele entrega exatamente aquilo que promete: ao chegar à adolescência, Brandon Bryar começa a descobrir suas origens e um terrível senso de dominação, de subjugação dos demais começa a se formar dentro dele. O comportamento do simpático guri passa a ser o de um cruel stalker psicopata, incapaz de sentir o menor traço de remorso ou culpa.
O diretor é muito competente em criar um clima em que a vítima se vê sem esperança nenhuma de sobreviver e luta apenas por puro instinto de sobrevivência. Sabe aqueles antigos filmes de Sexta-Feira 13 em que, por mais que você corra, o assassino sempre está à sua frente sem qualquer explicação? Bom, aqui o assassino voa, se move à velocidades sobre-humanas, é extremamente forte e invulnerável e, pra completar o pacote, tem visão de calor. Mas se esses filmes de terror contam com elencos completamente descartáveis, Brightburn tem um mérito indelével.
O garoto Jackson A. Dunn manda muito bem no papel do jovem super-vilão. Mesmo cenas que exigem um overacting, sua expressão convence como a de um psicopata, alguém que se julga superior aos outros – e tem justificativas pra isso – e não dá o menor valor para o que ele considera inferior. Já sua mãe, interpretada por Elizabeth Banks, manda muito bem como a super-protetora preocupada e amorosa, mas que erra ao tentar encobrir alguns erros do filho e tentar minimizar suas falhas de comportamento. Todo o resto do elenco cumpre o que é necessário para o papel, mas esses dois dão um toque de “realidade” a uma história não apenas fantástica – ela também é assustadora.
Algumas cenas de violência são bem explícitas, muito sangrentas e com bastante gore. Mas não chega a ser uma muleta apelativa para a história, que é simples e eficiente. Na verdade, a origem do Superman é tão conhecida que esta versão sombria nem precisa perder muito tempo. A única coisa que não encaixa muito bem é o menino ter passado tão rapidamente de “filho exemplar” para monstro – mesmo isso sendo justificado no filme, acaba sendo meio corrido. Mas é um filme curto, de 90 minutos, que vai direto ao assunto e tem momentos de muita tensão.
Um dos pontos fortes foi justamente usar elementos clássicos da mitologia do herói, como os poderes e o cobertor que se transforma em capa, de maneira aterradora. O brilho nos olhos do menino quando usa a visão de calor, em meio às trevas, cria um efeito impactante e sinistro – que não é diferente da maneira usada por Zack Snyder em seus filmes. O olhar distante, a dificuldade pra se enturmar com os colegas, tudo é transformado no passo-a-passo da construção de um psicopata.
O que o filme deixa é uma resposta assustadora à pergunta: e se o Superman fosse mau? Que força poderia detê-lo? A quem ele responderia? Pior ainda, em dois momentos espetaculares dos protagonistas, mãe e filho conversam sobre origem, sobre bondade, sobre amor e os laços que os unem – sobre uma trilha sonora sutil que lembra o tema do Superman no filme “Homem de Aço”, por Hans Zimmer. O recado aí é bem claro. Ter usado a tipologia do filme de Snyder nos trailer só reforça essa ideia.
Quanto mais se tenta colocar o Superman de maneira realista, mais do personagem se perde. Toda a história do herói que é essencialmente bom em toda sua pureza, um semi-deus caminhando entre a humanidade e desejando ser igual a ela, com poderes muito além da compreensão de qualquer mortal e que só quer ter um emprego normal e que esconde sua identidade do seu grande amor usando nada mais do que um par de óculos – bom, é o tipo de coisa que só funcionaria num conto de fadas. Tornar o Superman verossímil é uma coisa (e Richard Donner achou a fórmula para isso no seu filme de 1978 que apresentou Christopher Reeve no papel principal e ajudou a definir o personagem). Mas tornar o Superman realista, num contexto em que os elementos básicos de sua mitologia não funcionam, é um erro primário de entendimento do personagem.
Sem essa aura onírica, Superman se tornaria um monstro frio e distante. Como no filme de Yarovesky. Mas aí ele acerta de propósito onde a Warner errou sem querer.