Crise nas Infinitas Terras: O maior crossover da história dos quadrinhos
Crise nas Infinitas Terras: O maior crossover da história dos quadrinhos: Amigos, estamos em tempos de crise. Diversas crises.
A mais interessante e talvez a única saudável delas começou a ser exibida pelo canal CW em Dezembro/19 e teve seus dois últimos episódios exibidos na segunda semana de Janeiro/20. Trata-se do crossover anual das séries Arrow, Flash, Supergirl, Legends of Tomorrow e Batwoman e, dessa vez, engloba muitos e muitos outros personagens derivados dos quadrinhos que já tiveram versões live action pela Warner. O evento se chama Crise nas Infinitas Terras e é uma livre adaptação do que é, talvez, o maior e mais importante Mega Evento dos quadrinhos.
Publicada originariamente em 12 edições em 1985, foi lançada nos Estados Unidos Crisis on Infinite Earths, escrita por Marv Wolfman e co-roteirizada e desenhada pelo gênio George Perez e veio de encontro a um problema que tomava grandes proporções na DC: o que fazer com o Multiverso?
Wolfman tinha, já há algum tempo, a vontade de escrever um grande crossover com o máximo de heróis que ele pudesse. Já a DC sofria por conta do Multiverso: conceito criado a partir de uma brincadeira narrativa onde Barry Allen lia histórias em quadrinhos do Flash original (Jay Garrick). Isso era considerado uma homenagem ao primeiro Flash, porém, em 1961 Gardner Fox escreve a edição 123 da revista The Flash, desenhada pelo mestre Carmine Infantino e promove o encontro dos dois Flashes na história Flash of Two Words, dando início ao que viria a ser o Multiverso. A princípio, o Multiverso era composto apenas da Terra 1 e Terra 2 (antes, Terra Ativa e Terra Paralela) e servia para que pudéssemos ter aventuras tanto das versões da Era de Prata (cujo start aconteceu justamente com a criação de Barry Allen, importantíssimo também para o conceito de Crise) quanto suas versões anteriores, da Era de Ouro.
No decorrer dos anos a DC Comics adquiriu outras editoras e incorporou seus personagens ao seu Multiverso. Heróis da Quality, Charlton e Fawcett tinham suas histórias vividas em “Terras” específicas, conturbando imensamente a vida dos leitores que não estavam completamente habituados à “descontinuidade” da DC.
Com a missão de “arrumar a gaveta”, Wolfman se juntou ao editor Peter Sanderson para pesquisar o Multiverso. Todo. Ou o quanto pudessem e aguentassem para que o roteirista tivesse embasamento total na empreitada. Esse processo de pesquisa durou 1 ano e meio. Começava a ser criado o maior crossover de todos os tempos!
Crise conseguiu reunir praticamente todos os heróis da editora num épico. Uma epopeia que tem seu início em forma de uma onda de antimatéria que vem destruindo universos em seu caminho, as múltiplas Terras do Multiverso, separadas por vibração. Wolfman nos apresenta a origem e o conceito do Multiverso em apenas uma página, a primeira página da primeira edição. E tudo fica muito claro!
O Monitor, personagem introduzido pelo próprio Wolfman em The New Titans (1982), seleciona alguns heróis para tentar impedir o avanço da nuvem de destruição. É interessante hoje ver a intenção do roteiro ao afastar os “pesos pesados” do foco com soluções bem arranjadas. A pergunta da Precursora, logo nas primeiras páginas, questionando por quê o Monitor não convoca os dois Supermen e as duas Mulheres-Maravilha exprime a vontade de Wolfman de focar sua história no conjunto, utilizando personagens secundários e então pouco conhecidos para dar liga aos feitos das estrelas da casa. Em tempo: a resposta do Monitor foi que havia analisado todos aqueles com poderes, no passado, presente e futuro e assim descobriu que a esperança residia na união de heróis e vilões.
Crise conseguiu criar empatia dos leitores por personagens secundários: temos como base central Pária, responsável pela libertação do Anti-Monitor e amaldiçoado com a sina de ser transportado para testemunhar os momentos derradeiros de Terras engolidas pela antimatéria. Um personagem melancólico e cativante.
Temos a já citada Precursora, filha adotiva do Monitor e que o auxilia no recrutamento do time de heróis selecionado para tentar impedir a destruição do Multiverso. Ela tem a síntese do Multiverso dentro de si e é parte chave dos planos de seu pai, inclusive o assassinando.
E temos Alexander Luthor, filho de Lex Luthor, único herói da Terra 3, lar do Sindicato do Crime, versão maligna da Liga da Justiça. Nas primeiras paginas são mostrados os últimos momentos da Terra 3, com os esforços do Sindicato e de Luthor para salvar o universo. Mais uma vez, Wolfman prova saber cativar ao criar um discurso tocante do Ultraman (versão maligna do Superman) pouco antes de seu sacrifício final. Wolfman também cria uma claríssima referencia ao fazer o herói Lex Luthor enviar seu filho recém-nascido, em uma nave, nos minutos finais de um mundo moribundo, para que pudesse escapar da destruição. Isso lembra alguma coisa?
Crise também ficou marcada pelas mortes de personagens queridos dos leitores, porém nenhuma tão sentida quanto as mortes de Kara Zor-el e Barry Allen!
Kara, a Supergirl original criada por Otto Binder e Al Plastino, morre de forma heroica ao viajar com seu primo Kal-el e outros heróis até o universo Antimatéria e batalhar contra o Antimomitor. Ao ver o Superman tombar ela parte com todas as forças para cima do vilão, destruindo parte de sua armadura. Ela pede à Doutora Luz para que fuja de lá levando o Superman consigo e encontre os outros e então se lança para uma última investida, jogando o Antimonitor, ferido, dentro de uma de suas máquinas. Ela teria êxito em acabar com o monstro não fosse um titubeio da Doutora Luz, fazendo-a dar as costas e receber uma rajada fatal. Ela morre nos braços de Kal-el num dos momentos mais tocantes da saga. Mas não o MAIS tocante.
Barry Allen deu início ao Multiverso e nada mais justo do que ter um papel de honra na história que colocaria um fim ao mesmo. A participação do Flash em Crise é soberba. Suas aparições ao longo da trama, enigmáticas e se esvaindo, com o leitor tentando encaixar a mensagem e descobrindo ser ecos de uma viagem no tempo são surreais. O trecho em que o Batman vê uma dessas aparições, com o Flash balbuciando frases sobre o mundo estar morrendo e pedindo socorro é maravilhoso, fechando com a frase do morcego “Deus do céu… o que está acontecendo?” e a chamada: A DC COMICS ORGULHOSAMENTE APRESENTA…Trecho esse tão marcante que serviu de inspiração para uma das cenas de Batman V Superman: Dawn of Justice, a tragédia de Zack Snyder em 2016.
O Flash esteve preso por todo o início de Crise pois sua habilidade de viajar no tempo e entre dimensões era um empecilho para os planos do Antimonitor. Barry fica sob a vigilância e os caprichos do Pirata Psíquico (em sua melhor caracterização ever) e ao escapar descobre que o Antimonitor possui um canhão de antimatéria concentrada. Decidido a destruir a máquina, ele adentra o cerne do canhão, onde está armazenada a antimatéria e corre contra o fluxo, tentando assim fazer com que a energia retorne para dentro do artefato e o destrua. Ele sabe que o processo o matará e enquanto corre, começa a voltar no tempo, o que explica suas aparições anteriores. Nesse ínterim ele também faz uma emocionante despedida, até que destrói o canhão e seu corpo é desintegrado, restando apenas seu uniforme e seu anel. À época ninguém imaginava que um personagem do calibre de Barry Allen fosse morrer e ficar realmente morto. Ele só retornaria em 1993, mas isso fica para outra resenha…
A morte do Flash teve repercussões gigantescas no universo DC pós-crise, sendo que a mais importante foi Wally West assumindo o manto de seu tio. Sua morte também, de certa forma, fechou o ciclo criado por ele mesmo em Flash of Two Words: Criando e acabando com o Multiverso.
Ciclos sempre fizeram parte da essência do Flash e me lembro de uma história relacionada à sua morte, intitulada O Mistério do Raio Humano (Mystery of the Human Thunderbolt) publicada aqui no Brasil em Superalmanaque DC n° 1 em 1990 (lá fora, em Secret Origins Annual n° 2/1988), em que era recontada a origem do Flash e o raio que o concedia poderes era derivado de sua essência no futuro, mais precisamente em sua morte, quando seu corpo é desintegrado na Crise.
Crise contabilizou centenas de mortes de todos os tipos de personagens, desde insignificantes como de personagens conhecidos, e terminou com um gosto agridoce, deixando um misto de alegria pelo triunfo e também o pesar pelas baixas. A batalha final, travada por Kal-L, Superboy Prime e com o auxílio de Alexander Luthor, culminando na destruição definitiva do Antimonitor (sic), deixa esses personagens à deriva e apartados da realidade da DC (o que viria, anos mais tarde, nos trazer os famosos “socos na realidade”). A saga também redefiniu o novo status quo da editora, traçando novos rumos para o futuro, já que ao final temos a junção das infinitas realidades, tornando una a cronologia da editora.
Depois de Crise, houveram as reformulações do Superman pelas mãos de John Byrne, o Batman de Frank Miller e David Mazzucchelli, a Mulher Maravilha do próprio George Perez, a Legião dos Super Heróis, a Liga da Justiça…
Crise nas Infinitas Terras foi um grande marco na história dos quadrinhos, reunindo um sem número de personagens e demostrando muita coragem por parte da DC na época. A coragem de mexer e repensar personagens antigos e já enraizados no imaginário coletivo. Sem contar ser a primeira mega saga e servir de referência para todas as outras realizadas desde então, seja qual for a editora. Foi uma pena o fato de que muito do que foi feito em Crise nas Infinitas Terras foi já desfeito ou ignorado. Em New 52, um novo conceito de Multiverso com 52 Terras foi criado (E adivinhem quem foi o estopim para esse acontecimento?)
Crise nas Infinitas Terras (Crisis on Infinite Earths, EUA – 1985/6)
Roteiro: Marv Wolfman
Arte: George Pérez
Arte-final: Dick Giordano, Jerry Ordway, Mike DeCarlo
Cores: Anthony Tollin, Tom Ziuko, Carl Gafford
Letras: John Costanza
Capas originais: George Pérez
Editora nos EUA: DC Comics
Data original de lançamento: abril de 1985 a março de 1986 (12 edições)
Datas de lançamento no Brasil: março a julho de 1987 (editora Abril – primeira versão espalhada pelas revistas mensais), maio a julho de 1989 (Editora Abril – 3 edições), maio a julho de 1996 (Editora Abril – 3 edições), novembro e dezembro de 2003 (Panini Comics – 2 edições encadernadas), janeiro de 2016 (Panini Comics – versão única de luxo em capa dura).
Páginas: 359 (versão encadernada americana sem extras).
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