Crítica: A Cruzada das Crianças e a batalha contra a censura
Em 1963, na rede Tupi, Vida Alves e Geórgia Gomide protagonizavam o primeiro beijo homossexual na tv brasileira. Num episódio da série “Tv de Vanguarda”, com o título de Calúnia, baseado na peça Infâmia de Lillian Hellman. Numa entrevista à revista Época, em 2011, a atriz Vida Alves assim descreveu a reação do público:
“A cena foi comentada, mas não senti qualquer sentimento agressivo das pessoas em relação a mim. Tenho certeza que me julgaram, mas não me atacaram”.
Entre Setembro de 2010 até maio de 2012, foi publicado, pela Marvel, a Cruzada das Crianças, onde a equipe de heróis Jovens Vingadores auxilia dois de seus membros, Wiccan e Speed, a encontrar sua mãe, Wanda Maximoff, a Feiticeira Escarlate, a qual encontra-se foragida devido a atos que culminaram na perda de poder da maioria de mutantes e na morte de alguns membros dos vingadores.
Wiccan é homossexual, tem uma relação de amor e cumplicidade com outro membro da equipe, o mestiço Kree/Skull, filho do capitão Marvel original, Hulking. E como todo casal que se ama, é natural que hajam atos de afeto entre eles na narrativa, como, por exemplo, um beijo.
Em 2011 o supremo tribunal federal reconheceu o direito a união civil para casais formados pelo mesmo sexo, tendo, finalmente, os mesmos direitos de casais heterossexuais.
Pois bem, estamos, agora, enquanto escrevo essa matéria, em 2019, 56 anos após o primeiro beijo homossexual da televisão brasileira, e, em plena Bienal do Livro no Rio de Janeiro, entramos na polêmica da censura de um beijo.
O que torna tudo mais interessante em todo esse imbróglio, é que a história em si é muito maior do que o beijo, a história fala sobre perdão, redenção e entendimento. O que me leva a pensar se quem optou por censurar chegou ao menos a ler a história e interpretar seu conteúdo…
Porque censurar uma obra que fala sobre o perdão? Eu lembro que um certo cara, 2000 anos atrás, tinha dito: “perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Essa não é uma mensagem relevante? A de amar o próximo? Pois bem, nossos heróis encontram sua mãe na história, que, inicialmente desmemoriada, aos poucos recupera suas memórias e começa a refletir e se culpar pelos erros do passado. Seu filho e seus companheiros mostram, a despeito do passado, discernimento para dar uma segunda chance. Assim como o pai da própria Wanda, o famoso vilão Magneto, também busca o perdão da filha pelos seus próprios erros, ajudando seus netos nesse processo, com o auxílio de seu outro filho, Mercúrio, que opta por deixar as desavenças com seu pai de lado para salvar sua irmã.
Claro, como todo gibi há lutas, discussões e eventos que poderiam ser mais facilmente resolvidos, mas a mensagem, no final, é clara. Aceitar e perdoar fazem parte da vida, podemos errar, e, claro, erramos e erraremos muito, mas a vida segue, e, com o futuro, sempre haverão novas oportunidades para reparar os erros.
No final, aquele beijo, de tanta polêmica, foi o Hulking dando apoio ao seu namorado Wiccan, para seguir em frente e tocar a vida. Ou seja, foi apenas uma expressão de amor e amor não se censura, amor se cultiva, amor se espalha.