Em Defesa de Timothy Dalton: o Melhor 007
Algumas semanas atrás, eu resolvi reassistir a bilogia de filmes do James Bond estrelada por Timothy Dalton. Eu era criança quando ele foi anunciado como o “novo Bond”, numa matéria do Fantástico ou Globo Repórter. Na ocasião, lembro que fiquei bem impressionado com o carro dele, que tinha um sistema de mira eletrônica para mísseis no para-brisa. O tempo passou, mas, para mim, aqueles filmes ficaram.
O que só fui perceber anos mais tarde, quando Pierce Brosnan já não era mais novidade, é que os fãs de Bond não compartilhavam da minha opinião. Era consenso que Sean Connery era o melhor, Roger Moore era excelente, Brosnan deu um fôlego novo à franquia e Dalton, bem… Dalton podia ser varrido pra debaixo do tapete junto com George Lazenby.
Dalton foi uma escolha polêmica, do tipo que atrairia a atenção da internet se fosse feita hoje.
Os produtores queriam, desde então, Brosnan, que não pôde aceitar por estar preso ao contrato da série de TV “Remington Steele“. Sem experiência como astro de ação, o que Dalton tinha a seu favor era o fato de ser um ator shakesperiano, o que ele usaria de maneira soberba em dois filmes fantásticos.
Substituir Moore, depois de 12 anos no papel e muita popularidade, não seria fácil. Seu Bond tinha deixado uma marca como um dândi em filmes levemente bem-humorados. O 007 de Dalton, por outro lado, era um homem que aparentava ter profundas cicatrizes, uma melancolia enterrada em seu peito, cínico e amargo. Em alguns momentos ele parece odiar o que faz – mas seria incapaz de fazer qualquer outra coisa. Me lembrou muito a maneira como Chris Claremont descreveu Wolverine para Frank Miller, de forma a convencê-lo a desenhar uma mini-série do herói: um “samurai que deu errado”, falho, com uma sombra em sua alma.
Ele superava, de longe, Moore, que era incapaz de demonstrar profundidade, e Connery, que sempre aparentava estar se divertindo demais.
James Bond fazia todo tipo de serviço sujo, sem medo de se envolver até o pescoço em questões diplomáticas moralmente questionáveis. Havia uma qualidade dentro dele, uma nobreza, que odiava ter que fazer isso – mas alguém tinha que fazer. Podemos concluir que o fato de a maioria dos fãs não gostar de sua versão de Bond é um atestado de sua qualidade como ator: ele não tinha medo de mostrar esse Bond que não gostava do que fazia. Do ponto de vista de um fã, era como se o seu time de futebol contratasse um jogador que tivesse uma identificação muito grande com o maior rival (como Figo no Real Madrid ou Paulo Nunes no Corinthians).
Dalton trabalhou nos dois filmes com o diretor John Glen, veterano na franquia, numa combinação que funcionou muito bem. Glen sabia tirar o melhor de Dalton e os roteiros dos filmes funcionam como um relógio. Uma pérola em “Permissão para Matar” é o momento em que o casamento de Bond é mencionado – e que aconteceu no filme “A Serviço de Sua Majestade”, com o, esse sim, intragável George Lazenby. “A Serviço” é um filme excelente com uma atuação constrangedora de seu protagonista, mas isso não vem ao caso: o que importa aqui é como a cronologia foi usada a favor da construção do personagem, jogando por terra a teoria absurda de que Bond não é um homem, mas uma identidade que o MI6 entrega a seus espiões (o que serviria para justificar suas diferentes aparências e personalidades: um desserviço ao que “Permissão para Matar” encaixou tão bem).
“Marcado para a Morte” tem um roteiro extremamente competente, ainda no clima da Guerra Fria, uma trilha sonora brilhante com canção-tema inesquecível do A-Ha, pecando apenas em seus vilões. Em sua estréia, o Bond de Dalton não é um narcisista que mata pessoas enquanto toma um Martini: ele se recusa a alvejar uma mulher justificando que “só mata profissionais“. Um sinal claro de que há espaço reservado para odiar suas ações, por mais que elas sejam “importantes” em um mundo sempre à beira da guerra nuclear. Ele é, antes de mais nada, um espião que precisa de informações e segredos para desvendar uma conspiração contra a Inteligência Britânica para matar outros agentes.
“Permissão para Matar“, por sua vez, o mostra agarrado a uma missão de vingança como poucas vezes o personagem permitiu em sua história. Sua vendetta o leva a ser suspenso após os vilões atacarem brutalmente seu amigo da CIA Felix Leiter. A motivação está muito, mas muito longe de deter um vilão que quer “governar (ou destruir) o mundo”.
Ele é um lobo solitário querendo sangue.
A verdade é que Dalton estava muito à frente de seu tempo. Um Bond mais violento, com as mãos sujas e cicatrizes emocionais foi novamente explorado – e aceito – com Daniel Craig no papel. Em uma entrevista sobre o personagem e os filmes, Dalton declarou que “é muito importante fazer o personagem verossímil, pra você poder explorar a fantasia. Se as pessoas vão gostar de um Bond assim, é outra história. Eu não acredito que Bond seja um super-homem, vazio ou bi-dimensional. Ele tem que ser humano. Alguém com quem as pessoas se identifiquem, e é isso que tentei ser… Não é uma paródia, não é leve e não é engraçado.”
É compreensível que ele não seja o favorito da maioria, mas achar que ele era o pior – bom, há o suficiente nos filmes para falar em sua defesa. Sua versão não envelhece, ao contrário de Moore e Connery, estabelecendo-se como uma das mais icônicas do personagem.