Eu e minha filha
Eu sempre me imaginei com uma filha.
Não vou dizer que “sempre quis ser pai”, porque às vezes essas coisas parecem muito distantes na vida da gente. Mas de uma coisa eu tinha certeza: se esse dia chegasse, eu seria pai de menina.
Sem explicações, comparações ou qualquer meio de justificar esse sentimento. Pra mim era bem claro, quase tangível, que eu ia ser pai de uma menina e que isso seria o tipo de experiência transformadora que tanta gente fala – e mesmo isso ainda parecia muito, muito distante.
Mas eu sempre soube que seria uma filha.
A realização do sonho, porém, só foi completa quando ela se tornou a minha companheirinha. É legal ter alguém com quem dividir seus gibis, seus filmes e séries, músicas, manias, coleções… Quando você vai conhecendo mais e mais pessoas com gostos similares, fica fácil. A internet ajuda muito nesse sentido, com comunidades de fãs cada vez maiores, não importando o assunto. Agora, ter alguém tão próximo que se interessa pelas coisas que você ama – e ter alguém que você ama gostando das coisas a que você se dedicou tanto – é algo “maior que a vida”, como dizem lá fora.
Claro, desde antes de nascer, ela já era presenteada com roupinhas e brinquedos que remetiam aos super-heróis dos quadrinhos. Mas até aí, não era bem o que ela queria. As coisas mudaram já no segundo ano de vida da minha filha Helena, quando ela precisou ir pra creche. Eu trabalhava em turnos, então às vezes passava longas horas do dia em casa. Num desses dias, fiquei passando roupa enquanto assistia os desenhos animados do Superman que tenho em DVD, aqueles do Bruce Timm e Paul Dini.
Ela chegou da creche e perguntou, daquele jeito que só crianças perguntam: “Quenhé?” E eu respondi: “o Superman.” Ela ficou ali olhando o sujeito de roupa azul e capa vermelha enfrentar seu mais divertido inimigo, o Sr Mxyzptlk – um duende com poderes mágicos vindo diretamente da Quinta Dimensão pra virar a vida do Homem de Aço de ponta-cabeça (mais ou menos como crianças fazem com a gente).
Até aí, tudo normal. O legal foi o dia seguinte, quando eu estava na cozinha, com a TV desligada, ela voltou da creche e começou a me perguntar: “O Su? O Su?” E eu pensando que diabos seria esse “Ossú” que ela me perguntava. Até que ela foi na prateleira onde estavam os DVDs e apontou para o box. Capa esvoaçante, sorriso no rosto e o “S” – que, em Krypton, significa “esperança” – já tinham ficado gravados na cabecinha dela.
Dali em diante tivemos muitas aventuras juntos, impulsionadas pelo sucesso dos filmes. Ela sempre se empolgou/tinha medo do Hulk dos filmes da Marvel, vivia encantada com o colorido do Homem-Aranha e achava o Batmóvel a coisa mais legal do mundo. Ela também descobriu que não só os heróis esquisitos que eu gostava eram interessantes, como Venom e Cavaleiro da Lua, mas que ela também era representada por heroínas, como a Capitã Marvel e a Thor (sobre a qual falei neste post do meu blog https://medium.com/@raulkuk/her%C3%B3is-e-hero%C3%ADnas-b99807e443be) e que vilões podem ser também muito divertidos (ela adora o Coringa). Claro, ela também ouve Black Sabbath e David Bowie comigo, fizemos maratonas de Dr Who, Star Wars, Jeannie É Um Gênio e Duck Tales, compramos camisetas iguais, figurinhas, brinquedos… Não sei se fiz tudo que eu ou ela queria, mas com certeza foi bem mais do que eu imaginava. Mais do que sonhei.
Nem sempre as camisetas são exatamente iguais
Ficou melhor ainda quando meus amigos começaram a dirigir a ela um pouco do amor que sentem por mim. Conversam, mandam mensagens e presentes. E ela acaba se lembrando deles, dos que ela conheceu pessoalmente e dos que estão a um mundo de distância, atrás das telas dos telefones.
E nossas aventuras foram até o ponto de começarmos a reproduzir capas clássicas dos quadrinhos em nossas fotos, uma brincadeira que ela adorava e gerou longos debates entre a gente: qual capa escolher, quem será cada personagem, quais efeitos vamos colocar.
Nós ainda criamos nossas aventuras, temos nossas histórias e nos esforçamos pra nunca, jamais deixar essa experiência cair no tédio. Está quase na hora de eu começar a acompanhá-la nas coisas que ela gosta e nunca imaginei que teriam lugar em minha vida. Os filmes, músicas e roupas que apelam à geração dela, à idade dela. Vai ser um capítulo novo no nosso relacionamento, mas está tudo bem. É o ciclo da vida.
Primeiro eu ofereço o meu mundo pra ela, em breve vai ser a vez dela mostrar um mundo novo pra mim e vamos, juntos, descobrir que não importa o quanto o universo se expanda: ele sempre vai ser pequeno pra caber o amor de um pai e de uma filha. Mas vamos continuar nos aventurando.
(Eu mencionei que quis esse nome para ela por causa da Caçadora – filha do Batman nos quadrinhos?)
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