GAVAN – O PRIMEIRO (E PSICODÉLICO) METAL HERO!
Há muito tempo, numa década muito, muito, distante, uma grande moda havia atingido o nosso mundo! STAR WARS em 1977 e o Império Contra Ataca de 1980 tiveram um estrondoso sucesso, trazendo consigo, com toda pompa e circunstância, um gênero que estava meio que esquecido: As “Space Operas” ou “Novelas Espaciais”. E, de repente, não mais que de repente, todo mundo queria um pedacinho daquele sucesso. Logo, logo clones e mais clones foram surgindo: Desde a deliciosa série trash “Battle Beyond the Stars” de 1978; “Jason of Star Command” também de 1978 e a tentativa frustrada da Disney de surfar na onda do momento com “The Black Hole”, de 1979. Na tv não foi diferente, sendo o exemplar mais memorável o inesquecível Battlestar Galáctica original de 1979.
Além de “novas” ideias, houve o obrigatório retorno de clássicos do sci-fi da velha geração, seja na telinha com a série Buck Rogers no século 25 (1979 – 1981) ou nos cinemas com a bizarra combinação de Queen e Fred Mercury, com resto de alegorias de escola de samba do grupo de acesso que deu origem ao agora “cult”, Flash Gordon de 1980.
Com todos pegando uma palhinha no sucesso do momento, por que a boa Toei não poderia entrar na dança? Se o próprio George Lucas admitiu, mais de uma vez, que a influência dos filmes japoneses, principalmente de Akira Kurosawa, o levaram a fazer Star Wars: de katanas refletindo a luz do sol para sabres de luz, de uma armadura samurai para o traje de Vader, de tudo um pouco de toque nipônico na Lucasfilm. E desse tudo nada mais justo que um pouco voltasse para a terra do sol nascente, não?
Pois assim pensou a Toei. Em 1982 a Toei estava enfrentando uma crise. Uma crise não apenas financeira como também criativa. Sua parceria com uma tal de “Marvel Entertainment” estava acabando (sim, amiguinhos, tio Stan Lee tem muito mais a ver com tokusatsu do que você pensa, mas isso é assunto para outra matéria…) e estava precisando de um novo sucesso, urgente, para se reestabilizar. E foi ai que, pegando o espírito da época, surgiu a ideia de atirar com o laser para o alto e mirar nas estrelas. E assim surgiu o primeiro Metal Hero, Gavan, estrelando no Japão na TV Asahi em 5 de março de 1982.
O enredo de Gavan tem um pouco daquele “tudo” que falamos lá atrás: Takeshi Ichijoji é fruto de um relacionamento de um policial do espaço extraterrestre da estrela Bird com um terráquea. Após o desaparecimento do seu pai, Takeshi resolve seguir seus passos e entra para a polícia Galática sob a proteção do comandante Kom, que o tem como filho. Devido a Terra estar sob perigo da maligna organização Makuu, a mesma que havia sequestrado seu pai no passado, Takeshi é designado para proteger o planeta natal de sua mãe, com o auxílio do mais moderno maquinário a sua disposição (levando a tiracolo a filha do chefe, a Mimi, que é doida para sair da friendzone do nosso xerife espacial).
Um roteiro até simples, né? Mas a questão aqui não é a história em si, mas o que vem junto com o pacote do biscoito! A Toei, que não estava de brincadeira, resolveu chutar o balde da verossimilhança e entrou de cara na experimentação e psicodelia. Tudo era desculpa dentro da série para ir além e ousar visualmente. A armadura de Gavan, um aparato visualmente diferenciado, ganhou um prata reluzente, um “z” estilizado e olhos biônicos que brilham por debaixo de seu visor, tais detalhes viraram marcas registradas do personagem e viriam a ser copiadas nas vindouras produções da franquia. Sua nave, a Dollingan, não é “apenas” um veículo espacial e sim um enorme disco voador no maior estilo contatos imediatos do 3o grau (de 1977, por sinal) que leva, a reboque, a “Fera Estelar Dolu”, que nada mais é que uma nave transformer que vira um dragão metálico que solta fogo pela boca e atira raios pelos olhos (viu, eu disse que os caras não estavam de brincadeira…)
E você acha que Gavan “entrava” no “cockpit” para controlar Dolu? Nada disso, jovem Popnauta! Ele montava na cabeça de Dolu e de lá gritava os comandos! (Sim, o herói montava na cabeça de um dragão transformer que saía de um ovni e cuspia fogo no espaço), tudo bem que no final o bonequinho de plástico que usavam para as cenas ficava meio tosco, mas a ideia que ficava levava a gurizada a loucura! Ah, nosso herói também tinha uma moto espacial voadora, a Cybarian,na qual, obviamente, Gaban surfava em pé! (Imagina nos dias de hoje! Que mau exemplo para as crianças, Gavan! Segurança em primeiro lugar!). Até sua parceira, a Mimi, entrava fundo na onda lisérgica, usando do poder da “visão laser” para virar um “utilíssimo” canário (sim, é sério, ela virava um canário! Com tanto bicho mais útil por ai ela virava um passarinho! Pobre Gavan!)
Mas nada, nada disso se compara a organização Makuu! Ai sim que o pessoal da Toei chutou o pau da barraca com gosto e ainda pisou em cima da tenda! A sede do mal fica na fortaleza Makuu, que encontrava-se no “Espaço Makuu”, um Vórtice espacial muito doido, com direito a penumbra, gelo seco, luzes estroboscópicas e muito, muito chroma key e maquetes. Dentro da nave fortaleza rolava muita festa e libertinagem chefiados pelo mestre do mal, Don Holler! Don Holler nada mais é que uma estátua de gesso gigante, de seis braços e duas cabeças e olhos que brilham no escuro (sendo que só uma cabeça falava e apenas dois braços moviam, puro detalhe que não afeta o charme deste terrível antagonista), na sala de estar da nave rolava danças das concubinas do chefe, sendo que uma delas era antropomórfica, com cabeça de pássaro e sons estridentes. No meio tempo entre uma folia e outra, Don Holler tentava conquistar a Terra, com apoio do ex-policial do espaço e traidor do pai de Gavan, Hunter Killer (o qual, posteriormente, seria humilhado pelo filho de Don Holler, Sandorba, e sua mãe a Bruxa Kiba, que, a partir do capítulo 30, o substituiriam no comando das tropas). O pobre caçador seria lançado no espaço sideral, sem lenço e sem documento, para ser resgatado lá no final da temporada (como sobreviveu no vácuo do espaço é uma incógnita até hoje).
O Gyodai /Medusan dos Makuu era o ápice do non sense da série: “O sistema de Retrocesso”. Meus amigos, o grupo Makuu tinha uma engenhoca absurda, cheia de engrenagens e botões, meio que “tirada” diretamente de Superman, O Filme de 1978, sendo capaz de fazer a Terra “girar para trás” (com direito a globo terrestre girando ao contrário e ondas do mar voltando no tempo). Além desses efeitos alucinógenos, a máquina levava nosso herói Gavan e o monstro do dia para o temido espaço Makuu. Lá o monstro ganhava poderes e ficava 3 vezes mais forte que o normal! (Uau! Que medo!). No fundo, o espaço Makuu servia para uma única coisa: jogar o máximo de psicodelia e efeitos possíveis na telinha da tv pra arrepiar a gurizada. Para vocês terem uma ideia, Gavan já lutou, além da boa e velha pedreira da toei, em cima de crânios humanos, no chifre do crânio de um boi, no meio de um faroeste, no vácuo sideral em busca de uma ampulheta mágica, etc, etc, etc. Emblemático foi o capítulo 41, no qual a equipe de filmagem resolveu abraçar a loucura e fazer UM CAPÍTULO INTEIRO dentro do espaço Makuu. Meus amigos, não sei como Kenji Ohba, o talentoso interprete do Gavan, conseguiu manter a sanidade no final da série…
Já o enredo, em si, era simples como a sua premissa. Com direito a monstro do dia para ser abatido pelo golpe de espada do nosso Herói. A série realmente teve um upgrade em seu enredo nos seus capítulos finais. No 42o episódio, o Hunter Killer é resgatado pela Polícia Galática, sendo interrogado pessoalmente pelo comandante Kom e oferecendo enfim pistas do paradeiro do pai do Gavan. Ao ir atrás destas pistas, Gavan acaba se encontrando com o jovem patrulheiro florestal, Den Iga, o qual acaba se ferindo mortalmente ao lutar contra um monstro Makuu. Den Iga é levado até a estrela Bird, onde é curado. Ao se recuperar, volta para ajudar nosso herói no último capítulo como o novo xerife espacial: Sharivan.
Mas, o momento mais emocionante, e o ponto alto da série é o capítulo 43, onde Takeshi finalmente salva seu pai, Voicer. O mesmo é interpretado pelo excepcional Sonny Chiba, cujo trabalho deu origem a JAC (Japan Action Club) a empresa de dublês que praticamente definiu o universo tokusatsu. Um episódio realmente tocante, num encontro de dois grandes atores, e com Kenji Ohba mais do que externando em cena a admiração que tinha pelo mestre Chiba. O capítulo finaliza de forma trágica, com a morte do pai de Gavan, com seu filho ao seu lado no leito de morte.
O último episódio, o 44, infelizmente, acaba finalizando as coisas de forma algo apressada, com direito a Gavan entrando com tudo na fortaleza Makuu e destroçando Don Hollor ( na luta final a cabeça decapitada do vilão ganha vida e voa para cima do nosso Herói). Sharivan, após ajudar Takeshi, vira o novo policial do espaço responsável pela Terra e Gavan acaba promovido a guardião do sistema solar.
Apesar de no Japão Gavan ter sido um sucesso estrondoso, no Brasil as coisas foram bem diferentes. Gavan, com título de “Space Cop”, só veio a dar as caras em 1991, na Sessão Aventura da Rede Globo. Além da inevitável comparação com Jaspion, que era uma série mais nova (originalmente de 1985) e que havia estrelado no Brasil 3 anos antes, em 1988, na rede Manchete. A terrível dublagem que Gavan sofreu no país, com direito a troca de nomes de golpes, de personagens, sons abafados e oscilantes, além das transmissões de muitos episódios fora da ordem cronológica, ajudou a diminuir o interesse da criançada brasileira pela série, que acabou vendo em Gavan apenas “mais uma cópia” do herói da Manchete.
Apesar do insucesso no Brasil, Gavan é e sempre será o mais puro exemplo de Zeitgeist em sua terra natal, ao abraçar o clima da cultura pop e sci-fi do início da década de 80, dando uma deliciosa roupagem tokusatsu para ela. Foi a história certa no momento certo, salvando a Toei e criando uma franquia de sucesso: a dos nossos queridos e amados Metal Heroes.
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