Kiss – do Rock n’ Roll aos Quadrinhos!
Kiss – do rock n’ roll aos quadrinhos: Quando o Kiss veio ao Brasil pela primeira vez, em 1983, eles estavam num momento baixo da carreira: tinham lançado seu álbum mais pesado, o lendário “Creatures of the Night”, pra tentar apagar a imagem deixada pelos discos anteriores (“The Elder”, “Unmasked” e “Dynasty”), mas o público não estava comprando (a ideia, o álbum, ou os ingressos para os shows). Na América do Sul, no entanto, eles chegaram como uma força avassaladora, lotando os maiores estádios do país e fazendo shows que entraram para a história da banda com seus maiores públicos.
Isso valeu uma grande exposição na mídia – e “mídia” aqui no Brasil, em 1983, significava Rede Globo. A emissora transmitiu o show do Maracanã, no Rio de Janeiro, entre outras matérias em programas como o Fantástico. Aos cinco anos de idade, aquilo me impressionava: eu não entendia muito bem a música deles, mas o visual era algo mais. Pareciam saídos de um filme ou, claro, de uma história em quadrinhos.
Mal sabia eu, mas a adolescência chegou e, junto a Iron Maiden, Guns n’ Roses e Black Sabbath, eu redescobri o Kiss e fui fisgado. E, na condição de fã obsessivo-compulsivo, claro que comecei a buscar o máximo de informação possível sobre a banda. E não é que eles realmente já tinham estrelado algumas revistas em quadrinhos? Talvez em grande parte por força do baixista-vocalista Gene Simmons, na verdade um israelense chamado Chaim Witz que imigrou para os Estados Unidos aos oito anos de idade. Com dificuldades para se adaptar ao idioma, ele ficou encantado com a série do Superman estrelada por George Reeves – e se tornou um ávido leitor de quadrinhos, uma maneira de “mergulhar” no idioma do país que o acolhera e, como tantos jovens fãs de gibis, descobrir novos mundos, universos e realidades. “Os melhores professores [de inglês] que eu tive foram o rock n’ roll e os quadrinhos”, declarou certa vez. “Eu falava muito, muito pouco japonês, alemão bastante bom, húngaro fluente e hebraico fluente. Mas se você lê literatura, não é assim que as pessoas falam. Não é a maneira como as músicas são cantadas. É uma nuance completamente diferente. Então, os quadrinhos me fizeram entender.”
(Um fato curioso: eu viria a aprender bastante inglês lendo gibis dos X-Men, onde os diferentes sotaques dos personagens – Colossus é russo, Noturno é alemão, por exemplo – resultavam em uma “língua falada” que exigia bastante esforço pra ser totalmente compreendida. Não é algo que você encontra nos dicionários, é algo que precisa ser “vocalizado” pra fazer sentido.)
Estamos falando do mesmo homem que escreveu uma carta apaixonada para a Marvel quando soube que um filme do Quarteto Fantástico seria produzido – se oferecendo para o papel de Ben Grimm, o Coisa. O próprio visual de Gene Simmons, sua persona de palco – The Demon – teve uma forte influência de Jack Kirby e seu Raio Negro, o rei dos Inumanos. Capas de discos como “Love Gun” e “Destroyer” (onde Simmons assumiu estar imitando uma pose icônica do Superman) eram fortemente influenciadas por gibis e, com tamanho sucesso, era questão de tempo até o Kiss chegar aos quadrinhos.
Foi nas páginas de Howard the Duck #12 que o Kiss apareceu pela primeira vez, em 1977 – o ano em que nasci. O gibi com humor nonsense de Howard parecia o cenário perfeito para uma aparição do quarteto – mas não ia parar por aí. No mesmo ano, a Marvel lançaria o gibi inteiramente dedicado à banda, A Marvel Comics Super Special! Numa estratégia de marketing que foi, ao mesmo tempo, brilhante e de mau gosto, os quatro integrantes da banda tiveram amostras de sangue colhidas e misturadas à tinta da primeira impressão do gibi. E não é que foi um sucesso?
Escrita por Steve Gerber e Alan Weiss, com arte de Weiss (também responsável pela capa), Rick Buckler e dos lendários John e Sal Buscema, com arte-final de Al Milgrom e a batuta do editor Archie Goodwin, o gibi vendeu impressionantes 500 mil cópias – um recorde da Marvel que só seria quebrado nos anos 90, em meio à bolha criada por artistas como Rob Liefeld, Erik Larsen, Jim Lee e Todd McFarlane (cuja carreira cruzou o caminho do Kiss, como veremos daqui a pouco), consolidando a imagem da banda em meio a personagens como o Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Vingadores e Dr Destino.
Na época, Simmons aproveitou para tietar o lendário Stan Lee, de quem se tornou amigo. Na infância, Simmons teve uma carta respondida por Lee: “Você ainda vai realizar grandes conquistas. Excelsior!”, que ele guarda com carinho até hoje. E, na limousine, no caminho para a gráfica onde teriam o sangue misturado com a tinta para impressão, fez perguntas típicas de fãs: “Na edição 42 de Fantastic Four, na página 14, você disse que…”
Por que não repetir a dose? A banda voltaria a aparecer na quinta edição de Marvel Super Special, em 1978. Dessa vez escrita por Ralph Macchio, com desenhos de John Romita Jr e arte final de Tony DeZuniga, a banda se vê às voltas com um antagonista original: Khalis-Wu, um feiticeiro que viajava pelo tempo em busca de poder!
Não foi o fim da história da banda mais quente do mundo com a editora mais popular da América: em 1995, a Marvel publicou um encadernado das duas edições de Marvel Super Special, intitulado Kiss Classics. No ano seguinte, a reunião da formação original da banda justificou o lançamento de KISSnation: uma publicação em formato “Espada Selvagem de Conan”, com entrevistas e fotos da reunião, além da história Kiss meets the X-Men, com texto de Mort Todd, Gene Simmons e Stan Lee, arte de David Chlystek, Scott Elmer, Eric Lusk e Nate Palant, e arte-final de John Bligh.
Entra em cena a Revolutionary Comics, uma editora independente que se especializou em biografias em quadrinhos não-autorizadas de atletas e artistas – claro que eles teriam espaço para o Kiss em suas páginas. E pra quem acha que o Kiss é uma máquina gananciosa de fazer dinheiro a todo custo, não é que a banda apoiou a iniciativa dos gibis pela Revolutionary? Foram três edições dedicadas ao quarteto nova-iorquino: Rock n’ Roll Comics #9, em março de 1990; Hard Rock Comics #5, em junho de 1992; e Kiss Pre-History, uma mini-série em três edições lançada em 1993. Nessa época, a banda lançava o disco ao vivo “Alive III” e Gene Simmons pode ser visto nos vídeos desses shows usando uma camiseta da Hard Rock Comics. Não só isso: Simmons e Paul Stanley também deram entrevistas para os gibis, e a Hard Rock Comics ficou encarregada da biografia da banda no livro oficial KISStory, além de uma adaptação em quadrinhos da história contada no álbum “The Elder”, publicada na revista Metal Edge. Um excelente relacionamento entre a banda e a editora!
Chegamos àquele que é, possivelmente, o mais criativo capítulo da longa saga do Kiss nos quadrinhos: Psycho Circus! Publicado pela Image a partir de 1997, sob a batuta de Todd McFarlane, o gibi Kiss: Psycho Circus durou 31 edições, baseado no tema da turnê da banda à ocasião. A série também contou com uma edição especial da revista Wizard, em 1998, além de uma publicação em formato ESC, em cinco edições, em 1999. A série explorou, como nenhuma outra, as possibilidades de uma mitologia ao redor da banda, baseada nos álbuns e nas músicas. Ali os quatro integrantes do Kiss não eram exatamente super-heróis, mas criaturas místicas de imenso poder, em um universo de fantasia sombria e psicodélica que combinava perfeitamente com o trabalho desenvolvido na série principal de McFarlane: o Spawn! O roteirista Brian Holguin e os artistas Angel Medina e Clayton Crain estabeleceram uma saga muito bem desenvolvida, em que nem sempre os integrantes da banda eram os protagonistas, mas silenciosas testemunhas de eventos fantásticos! E agora eles eram The Demon – o Senhor das Terras Devastadas; o Portador Estelar – Príncipe de Copas; Rei das Feras – o Senhor da Caça; e o Celestial – o Herdeiro do Cosmos. Pegou as referências? E o gibi ainda teve um tocante tributo a Eric Carr, baterista falecido em 1991, e seu alter-ego: a Raposa!
A série durou até o ano 2000 e, em 2002, o Kiss estava de casa nova: a editora Dark Horse! Em uma série escrita por Joe Casey, tivemos até mesmo uma continuação do clássico filme “Kiss Meets the Phantom of the Park”! A série durou 13 números. Em 2007, foi criada a Kiss Comics Group com a editora Platinum Studios, dando origem à série Kiss 4K. Escrita por Ricky Sprague e com arte de Daniel Campos, Kevin Crossley e Thomas Ruppert, a série teve seis edições impressas, quatro edições digitais, a gigantesca “Destroyer Edition” (50cm por 76cm) e uma edição especial de natal intitulada Kissmas.
Em 2011 foi a vez do Kiss encontrar outro pilar dos quadrinhos norte-americanos: a turma do Archie, na mini em quatro edições Archie Meets Kiss! No ano seguinte, o Kiss chegou à sua nova casa: a IDW Publishing. Escrita por Chris Ryall e desenhada por Jamal Igle, o primeiro número foi publicado em 2012 e tivemos oito edições até agora, cheias de capas variantes. A IDW também publicou dois encadernados chamados “Greatest Hits”, com as edições da Marvel e as edições 1 a 6 de Psycho Circus da Image. Além disso, tivemos o crossover com Marte Ataca: Flaming Youths; a série em quatro edições Kiss Solo que, como você já deve ter imaginado, tem uma edição dedicada a cada integrante – e contou com a volta de Angel Medina à arte e roteiros de Chris Ryall. Finalmente, edição Kiss Kids reimaginou os integrantes da banda como crianças, com arte divertidíssima de José Holder em uma mini em quatro edições.
Pensou que tinha acabado? Nada disso – eles voltaram em 2016 numa nova linha, dessa vez pela Dynamite Entertainment. A série principal, intitulada simplesmente Kiss, foca em quatro adolescentes tentando descobrir os segredos de um mundo pós-apocalíptico, escrita por Amy Chu e desenhada por Kewber Baal. A primeira edição foi lançada em outubro de 2016 e segue sendo publicada! Em 2017, o personagem de Gene Simmons ganhou seu spin-off em Kiss: The Demon e, no mesmo ano, foi publicado o crossover em cinco edições com a lendária Vampirella!
É curioso notar que alguns encadernados são publicados por uma editora, mas contém histórias de outra: é o caso do “Greatest Hits” da Dark Horse, que tem material da Marvel e da Image. Mas o mais impressionante de todos é, sem dúvida, o Kiss Kompendium: lançado pela Harper Design em 2009, ele contém as duas edições de Marvel Super Special, o Kissnation, Kisstory e as séries completas da Image e da Dark Horse, além de fotos dos bastidores da turnê “Sonic Boom” e comentários de Paul Stanley e Gene Simmons.
Ufa! Sem dúvida, o Kiss tem uma trajetória tão interessante nos quadrinhos quanto nos palcos, capitalizando em cima da imagem – seja de super-heróis ou de criaturas sobrenaturais. A exemplo do Batman, é muito fácil imaginar esses personagens em diferentes épocas e realidades, mantendo suas características essenciais, além, é claro, de muito rock n’ roll! E você, popnauta? Tem um gibi preferido do Kiss? Já experimentou ler Guerras Secretas ou Invasão ao som de “Rock and Roll Over” ou “Revenge”!? Aumente o volume e deixe seu comentário!