O Coringa de Jack Nicholson – Ainda Dançando com o Diabo
A popularidade de filmes como “Vingadores” ou “Homem-Aranha” tornou as adaptações de quadrinhos não só amplamente aceitas pelo grande público, mas foi capaz de consolidar o gênero, com diversos estúdios tentando ter sua própria adaptação ou, pelo menos, um universo compartilhado. Curiosamente, foi justo o estúdio que mais tem fracassado nesse sentido que subiu a régua, duas vezes, fazendo com que esses filmes se tornassem campeões de bilheteria. A primeira foi com “Superman”, em 1978. A segunda foi com o Batman.
O filme de 1989 chegou aos cinemas cercado de controvérsia. Tim Burton, o diretor, e Michael Keaton, o protagonista, eram mais conhecidos por comédias – na cabeça dos fãs, isso imediatamente remetia à série de TV do Batman dos anos 60. Bem-humorada, despretensiosa e, em diversos momentos, nonsense, ela lançou a primeira onda de uma “batmania” que tornou o personagem um ícone pop. Quando os primeiros trailers e fotos de divulgação de “Batman – o Filme” começaram a sair, contudo, foi dada a largada pra uma segunda onda.
Um dos fatores que acalmou os fãs, contudo, foi a escolha de Jack Nicholson para o papel de Coringa. Sua credibilidade, conquistada em filmes como “O Iluminado” e “Um Estranho no Ninho”, o credenciavam ao papel com larga vantagem sobre os concorrentes (Brad Dourif, Tim Curry, David Bowie, John Lithgow e James Woods foram cotados). O lado negativo é que, como estrela, Nicholson podia impor algumas condições. Seu contrato especificava o número de horas de folga a que ele tinha direito todos os dias, bem como estar de folga nos jogos em casa do Los Angeles Lakers. Nicholson exigiu que todas as suas cenas fossem filmadas em um intervalo de apenas três semanas – o cronograma total foi de 106 dias – bem como uma porcentagem do merchandising e outra da bilheteria (estima-se que ele tenha faturado algo entre US$ 60 milhões e US$ 90 milhões só com a bilheteria nesse acordo).
Dá pra questionar se esse acordo foi bom, mas não dá pra debater com a incrível performance de Nicholson. Do vaidoso gangster Jack Napier para o insano Coringa, há uma entrega brilhante na arte de tornar um personagem memorável. O filme foi um sucesso, sim, com muitos méritos de Burton, Keaton, diretores de arte, figurinistas, maquiadores, o restante do elenco… Mas o vilão mostrou que estava certo em exigir mais, roubando a cena e criando uma imagem de um Coringa realmente ameaçador, demente e cruel. Eu nunca consegui encontrar informações de como Nicholson se preparou para o papel, se ele leu gibis, conversou com alguém da DC Comics ou simplesmente fez o seu trabalho da melhor forma possível. Não importa. Para os padrões que temos hoje quando falamos em adaptações de quadrinhos, a frase “Já dançou com o diabo sob a luz do luar?” beira a estupidez – seu talento a tornou icônica.
Vale lembrar que a versão do Coringa que estava no imaginário popular, por VINTE ANOS, era o divertido e histriônico “príncipe palhaço do crime” de Cesar Romero. Nicholson foi mais longe, tornando o Coringa mais sombrio, com seu olhar que mistura ódio, desprezo e chacota. A decisão de fazer de Jack Napier o assassino dos pais de Bruce Wayne foi cercada de controvérsia – mas precisamos considerar que, quando o filme foi lançado, ele já tinha matado o segundo Robin e aleijado a Batgirl. O trauma que ele causou em Bruce Wayne criou o Batman – que, mais tarde, criaria o Coringa quando Napier caiu em um tanque de produtos químicos durante um confronto entre os dois. O círculo de gênese e ódio entre eles, de violência e loucura, começou com morte e só poderia terminar da mesma forma. São duas aberrações insanas, com as mentes perturbadas – conforme idealizadas por outro maluco: Burton.
O que temos no final das contas é uma performance magistral e que, apesar de estar num filme de estilo datado, consegue ser referência quando se fala no personagem (só lembrando que o Batman de 66 também é datado mas também é uma referência na mitologia do Homem-Morcego). “O que mais gosto no Coringa é que seu senso de humor é de péssimo gosto”, declarou o ator. Não é de se admirar que combine tanto com ele. Nicholson foi o dono do papel, tomando diversas decisões sobre figurino, maquiagem e diálogos, mas contando com a providencial visão de Burton e uma improvável química com Keaton. Não resta dúvidas de que, não importa quantas versões do Coringa tenhamos, é bom os atores estarem preparados para serem comparados a Nicholson – um vilão tão brilhante que roubou o papel para si.