Os 80 Anos do Flash – o Homem Mais Veloz do Mundo!
Os 80 Anos do Flash – o Homem Mais Veloz do Mundo: Confesso que, a primeira vez que comprei um gibi do Flash, me decepcionei um pouco.
Eu lembrava do Corredor Escarlate basicamente do desenho Superamigos e algumas poucas edições do gibi publicado pela Ebal: atingido por um raio e uma mistura de produtos químicos, o cientista da polícia Barry Allen se transformou no homem mais veloz do mundo: o Flash! Com seu uniforme vermelho cercado por relâmpagos amarelos, ele enfrentava vilões como o Mestre dos Espelhos, Capitão Bumerangue e Capitão Frio na cidade de Central City! Eu gostava tanto da simplicidade da coisa que o primeiro action figure, ou bonequinho (ou melhor ainda: o primeiro hominho) que ganhei foi do Flash. O verso da cartela tinha essa versão resumida da origem, explicando que ele era tão veloz que controlava as moléculas do corpo a ponto de atravessar paredes ou vibrar através de balas para não ser atingido em um tiroteio!
Aí um belo dia estou passando pela banca e vejo essa capa:
Na minha cabeça, o Flash era um dos heróis mais importantes da Liga da Justiça! O que ele estava fazendo na revista dos Titãs!? Até onde eu sabia, “Os Novos Titãs” era um título com heróis adolescentes e parceiros de personagens clássicos, como Robin e Moça Maravilha. Será que o Barry Allen ia ser um “mentor” dos jovens? Isso não era um tipo de “rebaixamento” pra ele?
Mesmo assim, comprei. O gibi era excelente, mas… O Flash, nessa história, não era Barry Allen! Era um cara chamado Wally West! Que diabos está acontecendo? Cadê o “meu” Flash?!
Continuei comprando (na verdade, eu nem comprava: pedia pros meus pais) o gibi quase mensalmente, recebendo aqui e ali pistas do que tinha acontecido com Barry Allen: uma morte heróica e triste na saga Crise nas Infinitas Terras (leia mais sobre esse evento clicando aqui!). Wally West era, na verdade, seu antigo parceiro adolescente, o Kid Flash – daí sua conexão com os Novos Titãs. Mas eram apenas “pedaços” da história que conectava ambos, diluído entre histórias em que Flash Wally West enfrentava Vandal Savage, a Trindade Vermelha, se via às voltas com uma droga chamada Velocidade 9 e conhecia a cientista Christina McGee.
Até que, em janeiro de 1990, a Editora Abril lançou o Superalmanaque DC #1, com as origens de diversos heróis. Ali não só vinha explicado como o Barry ganhou suas poderes, como o Wally ganhou seus poderes, a morte de Barry na Crise e Wally herdando o manto como também explicou que houve outro Flash antes deles! Isso mesmo, na Era de Ouro dos quadrinhos houve um Corredor Escarlate que os precedeu: Jay Garrick, que, no Brasil, havia sido batizado com o hediondo nome de “Joel Ciclone”!
Em 1940, empolgados com o sucesso do Superman, os editores responsáveis pelo Homem de Aço pediram para o roteirista Gardner Fox e o desenhista Harry Lampert criarem um novo herói. Essa versão inicial do Flash foi o primeiro herói da DC Comics a estrear em seu próprio título (o Superman estreou em Action Comics, o Batman, em Detective Comics e a Mulher Maravilha, em Sensation Comics). Nessa história, vemos o cientista Jay Garrick ganhar seus poderes ao inalar acidentalmente os estranhos vapores de uma “água pesada” em que estava trabalhando.
O sucesso veio como um raio e, quando Lampert deixou o título, foi substituído por caras do quilate de Carmine Infantino e Joe Kubert! Isso fez do Flash um dos títulos mais importantes – e bem desenhados, apesar de seu uniforme ter um penico com asinhas na cabeça – daqueles primeiros anos da DC Comics!
A década de 50, porém, foi o crepúsculo da Era de Ouro dos heróis. A popularidade despencou, títulos foram cancelados e personagens caíram no esquecimento. Ainda levaria alguns anos até que o lendário editor Julius Schwartz recorre aos roteiristas John Broome e (ele de novo!) Gardner Fox para criar uma nova versão do Flash. Assim surgiu a versão mais conhecida do personagem, o cientista da polícia Barry Allen, que ao ser atingido por um raio e uma mistura de produtos químicos, se transforma no Homem Mais Rápido do Mundo! Se as histórias estreladas por Jay Garrick estavam mais pra Dick Tracy, com gângsters e mafiosos antagonizando o herói, a nova versão contava com uma colorida e variada galeria de vilões, que até hoje faz frente às galerias do Superman, Batman e Homem-Aranha. E as tramas, que basicamente se resumiam a resolver crimes como assaltos a banco e joalherias, se tornaram pequenos épicos de ficção científica, com explicações tão plausíveis quanto possível para seus poderes – e também os de seus inimigos.
Com Kubert e Infantino voltando a desenhar o Flash, era questão de tempo até que ele encontrasse sua antiga versão. Na clássica “Flash de Dois Mundos”, publicada em Flash #123, de setembro de 1961, descobrimos que Jay Garrick era o Flash de outra realidade, uma “terra paralela” e que, usando seus incríveis poderes para alterar sua frequência vibracional, Barry Allen podia viajar para essa outra Terra – onde também viviam o Lanterna Verde, Gavião Negro, Batman, Superman, Canário Negro e muitos outros heróis -mas em suas versões da Era de Ouro, ligeiramente diferentes do que conhecíamos. Assim foi estabelecida a gênese do multiverso da DC Comics (apesar de essa não ter sido a primeira vez que o conceito foi abordado nos quadrinhos).
Mesmo sendo um personagem de vanguarda, o Flash soube aproveitar muito bem conceitos bem sucedidos de outros personagens. Não demorou muito pra ele ter um jovem parceiro (a exemplo de Robin, Aqualad e Bucky): o Kid Flash. Na verdade, Wally West era o sobrinho da namorada do herói, Íris West, e um grande fã do velocista escarlate. Quando ele o conheceu, uma bizarra coincidência o fez passar pelo mesmo acidente que deu poderes ao Flash, sendo atingido por um raio e uma mistura de produtos químicos. Barry decidiu revelar sua identidade para o garoto e treiná-lo para usar bem sua velocidade, afinal um adolescente precisa de orientação e de uma figura paterna forte em que se espelhar.
O Flash seguiu por toda a década de 70 e entrou na década de 80 sendo escrito, a maior parte do tempo, por Cary Bates e desenhado por Irv Novick. Quando finalmente chegou a mega-saga Crise nas Infinitas Terras, o personagem já pedia por novos ares. Ele se sacrifica de maneira heroica, porém solitária, muito longe da Terra e de seus amigos, para impedir que o Antimonitor construa uma arma que colocaria em risco todo o Universo. Com isso, o já jovem adulto Wally assumiu o manto e a identidade de Flash, mas com algumas diferenças: ele só podia correr à velocidade do som e precisava comer e dormir bastante para se recuperar quando utilizava seus poderes, além de ter revelado sua identidade ao público.
O responsável por essas mudanças foi o roteirista Mike Baron que, a exemplo de John Byrne no Superman, diminuiu o nível de poder do herói, o tornando mais humano e até “marvelizado”, com dramas mais realistas e uma personalidade mais complexa. É aí que entra o Superalmanaque DC #1, que reconta a origem do herói: nessa história, Wally está fazendo terapia! Como sua identidade não é secreta, ele não vê problemas em se abrir no divã e contar suas preocupações: por que não consegue correr à velocidade da luz, como seu tio Barry?
Foi essa história que me fisgou e me fez virar fã do Wally. O terapeuta explica pra ele que, na verdade, o rapaz sofria de “síndrome do impostor” e inconscientemente se sabotava para não correr mais rápido que seu mentor e, assim, não o substituir. Afinal, só pode haver um homem mais rápido do mundo: para Wally, como era pra mim até ler aquela história, era Barry Allen. Ser mais rápido que ele seria “destruir o mito”!
Foi aí também que entendemos que a gênese do multiverso da DC, que é descoberto em Flash #123, não apenas morre com Barry durante a Crise, mas se torna uma parte do personagem: ao morrer, Barry é lançado através do tempo em direção ao passado, até se tornar o próprio raio que o atingiu lhe dando poderes! Segundo o terapeuta de Wally, Barry inconscientemente se tornou o raio que lhe deu poderes, o que explicava seu domínio absoluto sobre a velocidade e a bizarra coincidência que deu os poderes ao sobrinho. O ciclo se fecha em Crise, o ponto de partida para Wally West se tornar um Flash melhor que seu tio jamais foi.
Eu passei a entender o personagem e acompanhar suas histórias com um fervor ainda maior, o colocando entre meus preferidos da DC Comics. Nessa época, ele ganhou uma série de TV estrelada por John Wesley Shipp, que trazia elementos tanto de Barry Allen, como a origem e o emprego de cientista da polícia, quanto de Wally West, como a necessidade de comer e dormir bastante, além da namorada, Christina McGee. A série durou apenas uma temporada, mas ficou marcada pela trilha sonora, o uniforme do herói e o clima, muito próximos dos filmes de Batman do Tim Burton. Era o começo da década de 90, então tudo tendia a ser sombrio e pessimista, mas a série foi abrilhantada pela participação de Mark Hammil como o Trapaceiro – o único vilão dos gibis a dar as caras na série, por conta de restrições orçamentárias.
Segui acompanhando o Flash e o vi ter um controle cada vez maior sobre seus poderes, superando a perda do tio e voltando a correr mais rápido que a luz. Seu domínio sobre as moléculas de seu corpo nessa velocidade o permitiram acessar um campo de energia conhecido como Força de Aceleração; os poderes dos heróis velocistas vêm desse campo e Barry, ao morrer, acessou essa força – pra nunca mais voltar. Wally não só foi o primeiro a voltar de lá como também deixou de ser o “homem mais veloz do mundo” para se tornar a própria velocidade! Era legal ver também como os vilões clássicos do Flash se desenvolveram, com canalhas como o Capitão Frio olhando pra Wally com respeito e chegando a dizer “seu tio ficaria orgulhoso de você”, enquanto outros vilões, como o Flautista, se regeneravam. Sob a batuta do roteirista Mark Waid, Wally cresceu ainda mais como personagem, se casando com a jornalista Linda Park e se tornando referência entre outros velocistas da editora, como Jesse Quick, Max Mercúrio e John Fox (o Flash do século XXVII). Na Liga da Justiça de Grant Morrison, sua personalidade (ao lado do Lanterna Verde Kyle Rayner) ajuda a dar uma perspectiva mais humana aos heróis quase divinos escritos pelo escocês. Nunca esquecer da batalha entre Flash e o velocista Zum, em que Wally West nos explica que, quanto mais próximos da velocidade da luz, mais massa os objetos adquirem. Assim ele acessa a Força de Aceleração, corre ao redor do mundo em linha reta e derrota Zum com um único soco – que é ouvido ao redor de todo o planeta!
Quando Geoff Johns assume o título, o Flash ganha um novo impulso – as histórias passam a ter uma dinâmica totalmente nova, novos vilões são introduzidos e tudo parece novo e inédito. Começa aí uma das melhores fases da história do Flash – e olha que é difícil competir com Waid e Morrison – mas Johns cai na armadilha do saudosismo e tenta aproximar Wally cada vez mais de seu mentor Barry Allen. Em alguns anos, a identidade secreta volta, ele ganha um emprego na polícia e muitas das melhores coisas do Wally, que o tornavam diferente de qualquer herói da DC, são descartadas em pról de um “retorno ao básico” do personagem. Como Johns foi bem-sucedido em trazer de volta Hal Jordan como o Lanterna Verde, ele acabou conseguindo trazer também Barry Allen da morte, que se torna o principal velocista da editora, deixando Wally de escanteio.
Obviamente, eu amo Barry e suas histórias. Sua participação no Universo DC desde que voltou está à altura da sua grandeza. A popularidade do personagem o permitiu ganhar uma nova série de TV dentro do chamado “Arrowverse”, estrelado por Grant Gustin e não só com direito a vilões dos quadrinhos e muitos efeitos especiais, mas também com participações especiais de John Wesley Shipp e Mark Hammil. A saga do Flash na TV é coroada com o crossover “Crise nas Infinitas Terras” (e você pode clicar aqui pra ler nossas matérias especiais do evento!), onde o Flash morre para salvar o Multiverso – mas talvez não o Flash que esperávamos morrer. Essa história, pra quem assistiu a série dos anos 90, teve um sabor especial de nostalgia e respeito pelos clássicos gibis que a inspiraram.
O Flash também participou das animações da Liga da Justiça de Paul Dini e Bruce Timm com muito destaque e estrelou o longa metragem baseado na saga Flashpoint – nos quadrinhos, o evento desencadeou um reboot do Universo DC que ajudou a varrer pra debaixo do tapete quase todos os elementos de Wally West, o que levou anos pra ser corrigido. Agora temos não só o título principal, estrelado por Barry, mas também Wally correndo por aí e Bart Allen, o neto de Barry Allen que veio do futuro, nas páginas do gibi Justiça Jovem como Impulso (poucas vezes um nome fez tão jus ao personagem)!
O Flash chega aos 80 anos com o interesse do público renovado e com a promessa de um filme para o cinema começar a ser produzido, estrelado por Ezra Miller, que já interpretou o herói no malfadado filme Liga da Justiça. O grande segredo de seu sucesso e longevidade está justamente na simplicidade: ele corre muito rápido e tem um visual fácil de ser reconhecido. Bom, quem nunca quis ser rápido como ele ou, pelo menos, rápido o suficiente pra não perder aquele ônibus, não chegar atrasado naquele encontro, ter mais tempo pra terminar as tarefas de casa e poder jogar videogame? A maior prova de sua popularidade está justamente em ele ter virado sinônimo de rapidez: é só alguém conseguir se destacar por ser veloz que alguém logo diz “ele é ‘o the Flash'” (assim mesmo, com artigos sobrando e se misturando nos idiomas). Se isso não é uma grande prova da força do ícone, eu não sei mais o que é.
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