Ouvimos “Senjutsu” – O Novo Álbum do Iron Maiden!
Ouvimos “Senjutsu” – O Novo Álbum do Iron Maiden: “Nosso novo álbum é o melhor que já fizemos” – todo mundo já ouviu isso de, bem, praticamente toda grande banda. Principalmente das que têm a discografia mais rica e precisam constantemente competir com o próprio passado pra se tornarem relevantes.
Com o Iron Maiden não podia ser diferente – mas também não é igual. A banda sempre abraçou seu passado, mantendo músicas de seus dois primeiros álbuns quando o vocalista Paul DiAnno saiu, mas também abraçando músicas dos dois álbuns gravados nos anos 90 com o vocalista Blaze Bayley. O legado da banda, sua história e a força de suas músicas permanece.
Imagine, então, como seria a banda revisitar tudo que a fez musicalmente única e instigante, mas não numa coletânea – e sim num novo álbum de músicas inéditas. A energia dos dois primeiros discos, o desbravamento nos anos 80, o clima sombrio dos anos 90, o renascimento no século XXI, o flerte com o progressivo… Tudo que fez do Iron Maiden a maior banda de heavy metal de todos os tempos, o mesmo hardware, mas com software atualizado.
Claro, há quem diga que, a exemplo de AC/DC e Ramones, eles lançam sempre o mesmo (e previsível) álbum. Porém, desde “A Matter of Life and Death”, os discos do Iron Maiden não têm sido previsíveis. Eles focam em elementos que mostram o amadurecimento musical – como aquele jogador de futebol veterano, que “conhece os atalhos” do campo, corre menos e produz mais.
É o que temos em “Senjutsu”, o mais recente e bem-vindo álbum do extenso catálogo do Maiden. O décimo-sétimo disco de estúdio da banda chegou sob uma bem estruturada campanha viral, que deixou os fãs procurando pistas, criando teorias que deixariam os adeptos de “Mefisto em WandaVision” loucos. Ao lançarem dois singles antes do álbum (e não apenas um, como eles tradicionalmente sempre fizeram), conseguiram deixar não só o nome da banda em evidência, mas também dar amostras homeopáticas da diversidade que teríamos aqui, uma gama de novas músicas que soam atuais – mas também poderiam ter se encaixado em qualquer outro ponto de sua extensa discografia.
A abertura com a faixa-título tem o som de bateria quase tribal, guitarras e baixo muito pesados, num som contido, cadenciado e absolutamente heavy metal. Poucas vezes eles soaram tão ameaçadores em uma faixa de abertura. Eu adoro a música “The Final Frontier”, de 2010, mas a longa e modorrenta introdução “Satellite 15” quase coloca tudo a perder. Aqui, eles aprenderam a lição com a abertura do álbum “The Book of Souls”, de 2015, que começa com o clima sombrio de “If Eternity Should Fail”, mais cadenciada. Em “Senjutsu”, deixaram essa experiência da “primeira faixa” mais épica, com “the sound of distant drums”, que nos prepara (ou não) para o que vem pela frente.
Em seguida temos os dois singles em sequência: “Stratego” e “The Writing on the Wall”. A primeira chega mais rápido e galopante, mas sem exageros, em perfeita sintonia com o longo histórico de músicas empolgantes feitas para o público pular e cantar junto. O destaque vai para os vocais operísticos de Dickinson, que caem em um refrão excelente. Já o clima de faroeste de “Writing on the Wall” mantém a atmosfera mais vibrante de “Stratego”, com muitas guitarras, arranjos brilhantes, bateria pulsando com força e muita melodia.
As coisas ficam realmente interessantes em “Lost in a Lost World”, o primeiro dos quatro épicos escritos por Steve Harris para o álbum. Tudo começa com violões sobre uma textura de teclado suave, com os vocais cheios de eco e um coro melodioso. Tudo soa como a preparação para uma batalha de guitarras e contrabaixo, como é típico das composições de Harris. O que vem a seguir, no entanto, são riffs quebrados com um tempo difícil de distinguir. Variações de tempo, andamento mais rápido, pausas. Ela tem tudo que ouvimos em “Somewhere in Time”, “The X Factor” e “Brave New World”, com uma roupagem nova. E que, em nenhum momento, sai de seus trilhos.
A minha música favorita do Iron Maiden é “Wasted Years”. Eu adoro todo o trabalho de guitarras de Adrian Smith. Não é de se admirar, portanto, que “Days of Future Past” tenha me fisgado com tanta facilidade. A introdução cheia efeitos dá lugar a um riff absolutamente rock n’ roll, que só Smith conseguiria entregar. A música é rápida, mas sem exageros, com um solo curto e espetacular. Claro que um título que remete a um dos melhores gibis (dos X-Men, da Marvel e da própria indústria de quadrinhos) de todos os tempos ajuda, ainda que a letra não tenha relação com a história.
Por falar em viagem no tempo, a próxima música se chama justamente “The Time Machine”. A introdução acústica, calma e sombria, dá um clima muito parecido com o de “Dance of Death” – e todos sabemos no que isso vai dar. Uma história épica, com muito peso e melodia, bastante ousadia musical e toques de progressivo. Dá pra notar o quanto Harris ainda ama UFO e Genesis. A voz de Dickinson alcança um de seus melhores momentos imediatamente antes de uma melodia que altera o tempo da música e… Bom, já vimos esse filme em “The Final Frontier”, mas aqui soa melhor. Tudo se encaixa.
O Iron Maiden tem muitas músicas sobre guerras e batalhas, mas essa especificamente parece ser sobre o “Dia D”, a invasão aliada à Normandia. “Darkest Hour” começa com o som de ondas se rompendo e dá lugar à introdução cheia de dedilhados. É uma fantástica balada heavy metal, poderosa, sombria e épica. Tudo nela converge para o seu tema central: a morte e os horrores da guerra. O solo de guitarra é qualquer coisa de absurda, sobre uma bateria muito pesada, completando o clima de “calmaria antes da tempestade”. O som de ondas encerra a faixa.
A reta final do álbum é composta de três músicas de autoria exclusiva de Steve Harris, todas com mais de dez minutos. Claro, o tempo corre de maneira diferente quando estamos gostando do disco, mas parece um pouco… improvável que três faixas tão longas consigam manter o interesse no disco. Pois vamos a elas.
A primeira é “Death of the Celts”, que também começa com um dedilhado sobre aquele teclado que preenche o ambiente. Particularmente, eu acho que o Maiden devia assumir os teclados e torná-lo uma parte mais viva e interessante da música, e não apenas uma camada tão superficial, mas isso é outra história. O andamento do dedilhado acelera, e a música passa a realmente ter todo um clima e ambientação mais medieval. Bruce canta como um bardo, se entregando à loucura da letra e abrindo caminho para as guitarras e bateria tecerem um pano de fundo pesadíssimo – mas aquele andamento marcado, o ritmo constante de uma lenda folclórica se tornando cada vez mais intenso.
A partir dos solos, a música muda bastante de ritmo e andamento. São partes absolutamente empolgantes, que não soam chatas ou repetitivas em nenhum momento e, surpreendentemente, mantém aquele clima de Europa medieval escondido lá no fundo. A música termina como começa – outra característica das composições de Harris – sombria e fúnebre.
“The Parchment” tem uma introdução de guitarras e baixo acústico bem diferente do convencional (tratando-se de Iron Maiden, claro). Mas novamente temos aquele ritmo marcado, com melodia perfeita pra cantar junto no show. Mas fica bem claro que é a preparação para algo maior: de repente, o som explode em força e vigor. Cadenciado. Sempre ameaçador. Ela lembra em muitos momentos o clima ritualístico de “The Book of Souls”, de maneira absolutamente tétrica e macabra. Eu li que a música se trata do rei Herodes, que mandou matar crianças com menos de dois anos nos arredores de Israel para se livrar do recém-nascido Jesus, 2000 anos atrás. “The Book of Souls” também tinha um tema bem sangrento, que parece se encaixar aqui.
O álbum termina com “Hell on Earth” e sua introdução que, novamente, poderia ter sido algo entre os discos “The X-Factor” ou “Dance of Death”, até que algumas melodias de guitarra remetem a algo do “A Matter of Life and Death” e…
Pera, cadê o vocal?
A introdução continua densa, claustrofóbica, hipnótica. Quando ela explode em energia, poderia ser algo retirado do “Piece of Mind” ou “Powerslave”. O baixo começa a galopar ensandecido enquanto a bateria dispara repiques até Dickinson reassumir seu posto à frente – depois de mais de três minutos.
A melodia lembra bastante “When the Wild Wind Blows”, perfeita pra fazer a plateia cantar junto. Mas o andamento vai ficando sutilmente mais rápido e intenso, criando um clima de urgência. De repente, ela desacelera durante os solos – que são devastadores!
Então ela para e temos um riff de baixo com andamento diferente! Quantas músicas foram fundidas para a criação do frankenstein “Hell On Earth”? Uma nova explosão de epicidade, com versos pra se cantar junto (apesar de não serem exatamente um refrão) e caminhamos para o fim de um álbum que não reinventou a roda, nem transformou a música ocidental (eles já fizeram isso nos anos 80), mas apenas mostra que, pra veteranos com mais de 45 anos de carreira, eles ainda têm muita lenha pra queimar.
“Senjutsu” reafirma cada um dos grandes momentos da extensa discografia do Iron Maiden, abraçando o passado como parte da história, como lições que foram aprendidas para forjar um futuro inoxidável – mesmo que este seja o último álbum deles. Mas quem pode se gabar de ter algo assim em seu catálogo? Ninguém é o maior de todos os tempos à toa e, pra uma banda que não precisa provar nada pra ninguém, o Iron Maiden ainda se mostra disposto a correr riscos e entregar um trabalho que não é “igual a todos os outros”.
É familiar.
Como voltar pra casa.
Aproveite pra conferir a live em que eu e o Fabiano ouvimos o álbum, nossas primeiras impressões e um pouco de histórias – do Iron Maiden e da vida!