Rambo 3 – tratando comunista como se deve!
- Quem ele pensa que é? Ele pensa que é Deus?
- Não. Deus teria misericórdia.
“Da primeira vez, foi por si mesmo”, diziam os pôsters de divulgação. “Da segunda vez, foi por seu país. Agora, é pelo seu amigo.” E acaba aí o roteiro de Rambo 3, filme que entrou para o Livro dos Recordes como “o mais violento já feito” (até então), com “221 atos de violência, ao menos 70 explosões e mais de 108 mortes”.
Mas que fique bem claro: John Rambo não gosta de nada disso. Ele desaprova a violência, mesmo ganhando dinheiro em lutas clandestinas, e não quer lutar outra guerra. Mas isso muda quando ele recebe a visita de seu velho amigo, o Coronel Trautman, que quer arrastá-lo para o meio de um conflito tão violento quanto o Vietnã. Rambo quer continuar vivendo junto dos monges budistas que o acolheram, quase um camponês. Ele quer paz.
Trautman resolve respeitar a escolha do amigo e parte sozinho, mas é capturado pelos soviéticos malvados e inescrupulosos. Resta a Rambo a difícil missão de entrar sozinho atrás das linhas inimigas, encontrar seu velho superior e resgatá-lo. A parte difícil? Ele vai ter que fazer isso extra-oficialmente, sem apoio nenhum do exército e sem reconhecimento do governo.
O campo de batalha é o Afeganistão, que, em 1988, estava em conflito com a União Soviética. Os afegãos são descritos como um povo guerreiro, que não desiste, não dobra o joelho e é capaz de lutar até a morte para proteger suas terras (essa visão foi posta à prova quase quinze anos depois, quando os Estados Unidos invadiram o país atrás de Osama Bin Laden. Spoilers: os afegãos não eram tão bons de briga assim).
O roteiro, co-escrito por Sylvester Stallone, parecia prever que, quando os americanos entram na briga, não é pra perder. Encurradalo junto a Trautman por um pequeno exército soviético, ele não hesita em partir para a batalha, distribuindo tiros, chutes e facadas. O equivalente a uma justa medieval – mas aqui, ao invés de cavalos, vemos os combatentes medindo um tanque contra um helicóptero – é o ponto alto do filme. Rambo é atingido e baleado de todas as formas possíveis, mas a dor parece deixá-lo cada vez mais determinado. Ele não para (exceto pra cauterizar um ferimento com pólvora) e não sabe o que significa desistir.
Nos bastidores, as coisas também foram bastante conflituosas. O veterano diretor Russell Mulcahy (“Highlander”, “O Sombra”) foi demitido por Stallone no começo das filmagens, em Israel, por não ter encontrado figurantes que parecessem ameaçadores (!). Seu substituto foi o diretor da segunda unidade de “Rambo II”, Peter MacDonald. O filme ficou com a cara que Stallonne queria, mas, infelizmente, isso não foi suficiente para garantir uma sequência – ao menos, não imediatamente.
Ainda levariam mais de vinte anos após esse clássico para que Rambo retornasse aos cinemas. Rambo III tem tudo aquilo que fez do personagem um ícone de sua época, com muitas cenas de ação, porradaria, tiros e arco-e-flecha. O desenho animado baseado no personagem fez muito sucesso, a faca (ainda maior que nos filme anteriores, lá ele) virou um objeto de desejo (lá ele) e Rambo parecia pronto para os anos 90 – o fim da Guerra Fria, no entanto, deixou Rambo sem inimigos óbvios.
Isso é um problema porque este é um filme direto, sem meio-termo ou tons de cinza. Talvez por isso sua dedicatória nos créditos finais, “ao valente povo do Afeganistão”, soe como uma triste ironia. Mas ele fecha a “primeira fase” do personagem com maestria: amargurado, em busca de uma paz interior que parece cada vez mais distante, e ainda disposto a tudo para salvar o homem que o ensinou o que sabe fazer melhor: matar.