Turma da Mônica Laços

Acho que deve ser difícil encontrar um brasileiro que não conheça algo relacionado à Turma da Mônica. Muitos de nós fomos literalmente alfabetizados acompanhando as aventuras de Monica, Cebolinha, Cascão, Magali e os outros personagens do Bairro do Limoeiro, saídos da imaginação do genial Maurício de Souza que, tomadas as devidas proporções, vem a ser o nosso Stan Lee, no sentido de ter criado personagens que ultrapassaram as barreiras dos quadrinhos e tornaram-se personagens transmídia, estrelando desenhos, peças de teatro, musicais e dezenas de produtos licenciados.

Em 2012, por iniciativa de Sidney Gusman, a Maurício de Souza Produções decidiu sair da sua zona de conforto e criar o selo Graphic MSP, onde artistas com estilos diferentes das revistas da turminha podiam mostrar suas versões dos personagens já consagrados. Em outubro de 2012, Danilo Beyruth estreava o selo com ASTRONAUTA – MAGNETAR, e no ano seguinte, a dupla Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi, nos trouxe TURMA DA MONICA – LAÇOS.

Vitor Cafaggi já era um autor beeeeeeem conhecido no submundo nerd, especialmente de épocas do finado Orkut, onde ele criava a tirinha de “Puny Parker”, com a versão infantil de Peter Parker antes de ser mordido pela aranha radioativa, convivendo com seu Tio Ben e a Tia May, e mostrando sua já crescente paixão pela vizinha da casa ao lado, Mary Jane Watson.

Posteriormente, ele criou a tirinha “Valente”, que era bem semelhante em tom e arte ao seu

Puny Parker, mas mostrando as aventuras (meio autobiográficas) de um cãozinho em busca do amor.

A coletânea de tiras de Valente lhe rendeu o Troféu HQ Mix em 2012, e no especial MSP 50, em celebração aos 50 anos de carreira de Maurício de Souza, ele fez uma estória curta do Chico Bento, que lhe rendeu depois o convite para participar do selo Graphic MSP, rendendo a trilogia Laços, Lições e Lembranças.

Laços é uma estória muito bem ilustrada e que conta, com sensibilidade e doçura, a estória da amizade de Cebolinha, Cascão, Monica e Magali, que partem em uma aventura estilo Goonies e Conta Comigo em busca de Floquinho, o cachorro do Cebolinha, que desapareceu. Com estilo cinematográfico, a HQ alia muito bem momentos de ternura, aventura, comédia e suspense, apresentando a Turma da Mônica com um pé no “mundo real”.

Não à toa, a obra foi a escolhida para dar talvez um dos passos mais ousados da Mauricio de Souza Produções, que foi o primeiro filme em Live Action baseado nos personagens.

E sim, ousadia é a palavra certa. Pois se a Graphic Laços em si era praticamente um filme em story board, ainda assim encontrar o elenco certo para interpretar personagens tão queridos e icônicos para os brasileiros não seria uma tarefa árdua.

Com uma direção segura de Daniel Rezende, conhecido por seu trabalho em Cidade de Deus e que fez sua estreia na direção com o também excelente Bingo, Thiago Dottori e Luiz Bolognesi ficaram responsáveis por adaptar o roteiro da Graphic Novel, mas é inegável que o sucesso – ou fracasso – do filme ficaria totalmente nas costas do elenco infantil.

A boa notícia é que eles não decepcionam.

Giulia Benite (Mônica), Kevin Vechiatto (Cebolinha), Laura Rauseo (Magali) e Gabriel Moreira (Cascão) foram escolhidos após um extenso (e imagino, trabalhoso) processo seletivo, e estão todos muito bem em seus papéis. A de se considerar que estamos falando de crianças, e exigir uma interpretação digna de Oscar seria injusto, mas ainda assim, Vechiatto segura o protagonismo do filme com dedicação e segurança que muitos de seus pares adultos não consegue. A Mônica de Giulia Benite também foi muito bem adaptada, e minha preferida entre todas foi sem dúvida a Magali de Laura Rauseo. O elo fraco da corrente é o Cascão de Gabriel Moreira, que mesmo assim não decepciona.

O filme segue a Ghaphic Novel quase quadro a quadro, expandindo aqui e ali a estória para dar mais ritmo e dinamismo à ação. Mas todas as partes centrais da HQ estão presentes e são a força motriz do filme. O arco mais “alterado”, por assim dizer, foi o do vilão, que passou a ter uma motivação e fazer parte de uma “conspiração maior”, que criou um clima bastante tenso, especialmente para os menorzinhos.

A participação do Louco, interpretado por Rodrigo Santoro, também é exclusiva dos filmes, e é um dos pontos fracos, pois não faz muito sentido e nem acrescenta nada a narrativa, criando uma desnecessária barriga no terceiro ato e, apesar do imenso fan service, a retirada da cena não alteraria em absolutamente nada o filme.

Outra grande sacada do filme, que inexiste na HQ, é a utilização literal dos laços que marcam o caminho, e o fato de que cada membro da turminha vai ter que conquistar seu maior medo em nome da missão maior, que é salvar o Floquinho.

Filmado com uma sutileza exemplar, Daniel Rezende consegue deixar em pequenas cenas detalhes significativos à tona, como a profunda amizade entre a turminha e a paixão já existente entre Cebolinha e Mônica, além de aproveitar as deixas da própria HQ e mostrar, ainda que de relance, personagens como Titi, Jeremis, Xaveco e sua irmã Xébeu (eterna musa dos meninos), além de Maria Cascuda, Seu Cebola e tantos outros personagens que fizeram parte da nossa infância e hoje já são conhecidos dos nossos filhos.

E finalmente, chego no maior parâmetro em que esse tipo de filme deve ser avaliado. Para os adultos, analisar a interpretação das crianças, a fidelidade da adaptação ao material original, a fotografia ou a perfeita criação do Bairro do Limoeiro, perdido no tempo, é uma atração à parte (eu pessoalmente gostei muito da adaptação da Monica e da Magali, mas achei que falharam – e muito – na caracterização do Cebolinha e especialmente do Cascão), mas o filme tem que atingir outro público alvo, que são as crianças.

E a julgar pela empolgação da minha filha, que saiu do cinema berrando CEBOLINHAAAAA e girando o Sansão de pelúcia à toda velocidade, a missão de Rezende e do Grupo Maurício de Souza foi, sem sombra de dúvidas, bem-sucedida.

E já que o Maurício é o nosso Stan Lee, também não poderia faltar a aparição dele no filme, muito bem colocada e que nos faz pensar como dever ser a emoção dele ao ver os personagens que criou pensando nos próprios filhos terem chegado tão longe assim.

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Marcio Fury

Escritor, revisor, colecionador e pai nas horas vagas. É o melhor no que faz, mas o que faz não é nada bonito.

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