WATCHMEN – HBO – Review do S01E01.

Watchmen é considerado um dos gibis mais importantes de todos os tempos – se não o mais.

Também é altamente superestimado.

Falo isso não com a intenção de diminuir suas inúmeras, e inegáveis, qualidades. Mas o problema é ter sido colocado num patamar tão elevado, sublime, sagrado e intocável, que qualquer tipo de revisionismo soa como uma espécie de heresia. O filme de 2009, a série de mini-séries “Before Watchmen”, de 2012, e a maxi-série “Doomsday Clock”, que vem sendo publicada desde 2017 em meio a inúmeros e inexplicáveis atrasos, já sofreram isso na pele.

Como qualquer obra de ficção, Watchmen precisa, pode, deve e será revista das mais variadas formas. Seu público alvo se sente “dono” da obra, talvez até mais que seus criadores. O mesmo não acontece com personagens como Sherlock Holmes ou Drácula, reinventados periodicamente para um público novo, dentro de uma nova roupagem – seja narrativa ou visual.

O problema de Watchmen é ainda dialogar com o mesmo público de quando o gibi foi originalmente lançado, há mais de 30 anos. Isso gera, sem sombra de dúvida, olhares enviesados sobre toda e qualquer liberdade criativa que se tome sobre o “santo graal dos nerds”, que deve permanecer puro e imaculado (como seus leitores).

É quando entra Damon Lindelof.

O veterano produtor de séries de TV, como Lost e The Leftovers, e roteirista de Hollywood, com Star Trek – Into Darkness e Prometheus no currículo, encarou o desafio de macular a “obra sagrada”, levando-a além do que fora imaginado por seus criadores. Continuação direta do gibi, e não do filme dirigido por Zack Snyder, o primeiro episódio nos apresentou a um mundo que ainda lida com as consequências do plano de Ozymandias. Da mesma forma que Alan Moore e Dave Gibbons colocaram a Guerra Fria sob perspectiva em um mundo onde havia super-heróis, Lindelof estica a narrativa até 2019, mostrando um mundo com outros fantasmas, como a violência policial e o preconceito.

Se você nunca leu o gibi, não há o menor problema. A história flui, intrigante, pesada, desagradável em alguns momentos, mas jamais negando suas origens. O cuidado da produção em imprimir uma marca visual que remeta ao que Moore e Gibbons criaram é fantástico. Cortes de cena, pequenas pistas, um ou outro easter egg bem montado… Tudo nos leva a um diálogo direto com aquele dia, em 1986, em que Estados Unidos e União Soviética se uniram contra um inimigo comum – mas não foi o fim.

Nunca é o fim.

Talvez o maior problema com Watchmen (o gibi) tenha sido dar início a toda uma geração de histórias pretensamente realistas, com a “desconstrução” de personagens, as consequências de se viver num mundo onde heróis são reais e o estilo “sombrio e violento” que permeou a década de 90 (e continua a aparecer com bastante frequência). A história, de fato, lida com coisas mais simples, menores, frágeis, mas em um mundo onde coisas fantásticas acontecem dentro de uma cadeia de eventos tão simples quanto esquecer o relógio no bolso do jaleco. A série de TV parece ter entendido que não basta gastar milhões de dólares em efeitos especiais, colocar muito sangue e ossos quebrados: o público precisa interiorizar aquilo. Para um primeiro episódio, se saiu muito bem. 

Num mundo onde até Bloodshot e The Boys ganham adaptações, é um alívio perceber que alguém não está tratando Watchmen como algo sagrado. É apenas uma história, uma história muito boa e que, como qualquer obra de ficção, não precisa ficar eternamente presa dentro de uma caixinha. E quem discorda, sempre tem a opção de não assistir.

Curiosidades:

Bass Reeves, o protagonista do filme mudo que inicia o episódio, é uma figura histórica real – algo que eu desconhecia completamente até pesquisar para esta resenha.

– O título do episódio é retirado da letra de uma música do musical “Oklahoma!” – que aparece no início do episódio.

– Há uma cena do Dr. Manhattan em Marte.

– O personagem misterioso de Jeremy Irons diz a seus servos que ele está escrevendo uma peça – uma tragédia em cinco atos chamada “O Filho do Relojoeiro”. Jon Osterman, o alter ego do Dr. Manhattan, era filho de um relojoeiro.

– O presidente dos Estados Unidos é Robert Redford – e, graças a ele, os afro-americanos parecem ter finalmente recebido algum tipo de reparação – que os odiadores de Redford apelidaram de “Redfordations”.

– Há uma chuva de pequenas lulas, que nos remete ao ataque alienígena do final do gibi. O ataque é citado no interrogatório de Looking Glass: “Você acredita que ataques transdimensionais são boatos feitos pelo governo dos EUA?”

– Judd tem uma cópia de “Under the Hood” em sua mesa. Esse é um livro do universo Watchmen escrito por Hollis Mason, o Coruja original.

– Embora os próprios super-heróis não sejam encontrados em nenhum lugar neste episódio, eles recebem uma mensagem em um programa de TV chamado American Hero Story: Minutemen. Nos quadrinhos, os Minutemen eram um grupo de heróis da década de 1940, composto pelo Capitão Metropolis, Espectral, Hooded Justice, Coruja, Silhouette, Dollar Bill, Mariposa e Comediante – todos os quais aparecem em forma animada para os créditos de abertura da história.

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Raul Kuk o Mago Supremo

Raul Kuk - o Mago Supremo. Pai de uma Khaleesi, tutor de uma bruxa em corpo de gata.

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